JURÍDICO ARGENTINA
Doctrina
Título:A arbitragem coletiva como alternativa para a solução de conflitos em escala globalizada
Autor:Vasconcelos Roque, Andre
País:
Brasil
Publicación:Revista Latinoamericana de Derecho Procesal - Número 2 (Primera Época) - Diciembre 2014
Fecha:19-12-2014 Cita:IJ-LXXV-98
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Vivemos a era da globalização, fenômeno que consiste basicamente na intensificação dos fluxos de pessoas, mercadorias, dinheiro e, sobretudo, de informações. Por isso, no mundo contemporâneo, há cada vez mais espaço para a formação de grupos de pessoas cujos limites transcendem a fronteira de um único país. Chegamos, assim, a uma situação paradoxal. O fenômeno da globalização reforça o estabelecimento de relações jurídicas em escala planetária e a eventual deflagração de conflitos de interesses em âmbito global, não raras vezes colocando em jogo um número massivo de interesses individuais. Por outro lado, a jurisdição apresenta-se fragmentada nos diferentes países, não somente por conta de questões políticas, mas igualmente sociais e culturais. A proposta do presente estudo consiste em analisar se a arbitragem de direitos coletivos pode ser uma alternativa para a superação do atual paradoxo envolvendo conflitos em escala globalizada e jurisdições estatais fragmentadas.


Vivimos en la era de la globalización, fenómeno que consiste básicamente en la intensificación de los flujos de personas, mercaderías, dinero y, sobre todo, información. Por eso, en el mundo contemporâneo existe cada vez más espacio para la formación de grupos de personas cuyos limites trascienden la frontera de un único país. Arribamos así a una situación paradójica. El fenómeno de la globalización refuerza el establecimiento de relaciones jurídicas en escala planetaria, mientras que la eventual aparición de conflictos de intereses en el ámbito global no pocas veces pone en juego un número masivo de intereses individuales. Por otra parte, la jurisdicción se presenta fragmentada en los diferentes países, no solo por cuestiones políticas, sino también sociales y culturales. La propuesta del presente estudio consiste en analizar si el arbitraje de derechos colectivos puede ser una alternativa para la superación de la actual paradoja, comprendiendo conflictos en escala globalizada y jurisdicciones estatales fragmentadas.


We live in the era of globalization, a phenomenon that can be basically understood as the intensification of flows of people, goods, money, and especially information. Therefore, in the contemporary world, there is more space for the formation of groups of people whose boundaries transcend the boundary of a single country. We thus arrive at a paradoxical situation. The phenomenon of globalization reinforces the establishment of legal relations on a global scale and the possible outbreak of conflict of interest on a global scale, often bringing into play a massive number of individual interests. On the other hand, jurisdiction has evolved in a fragmented way in different countries, not only because of political, but also social and cultural, issues. The purpose of this study is to examine whether the arbitration of collective rights can be an alternative to overcome the current paradox involving conflicts on a global scale and fragmented state jurisdictions.


1. Coletividades globais e jurisdição fragmentada
2. Arbitragem coletiva: um fruto do acaso?
3. Arbitragem coletiva e conflitos em escala globalizada
4. Conclusão

A arbitragem coletiva como alternativa para a solução de conflitos em escala globalizada

Collective arbitration as an alternative to solve conflicts on a global scale

Andre Vasconcelos Roque(*)

1. Coletividades globais e jurisdição fragmentada [arriba] 

Tornou-se lugar comum, já há algum tempo, que vivemos a era da globalização, fenômeno que consiste basicamente na intensificação dos fluxos de pessoas, mercadorias, dinheiro e, sobretudo, de informações. O aprimoramento dos meios de transporte e o desenvolvimento dos meios de comunicação representaram uma revolução silenciosa. Tudo se tornou mais efêmero e fugaz. A sensação de falta de tempo é considerada um dos principais males da sociedade contemporânea, resultado da notória compressão do tempo e do espaço no mundo globalizado[1].

A globalização se opera em múltiplas esferas de ação, tais como na economia, nos meios de comunicação, na tecnologia, na gestão do meio-ambiente e até mesmo em atividades ilícitas, tais como no crime organizado. Se a internacionalização não consiste exatamente em um fenômeno novo, a globalização vivenciada a partir da década de 1970 vai além disso, utilizando-se de cada vez mais complexos e sofisticados sistemas de transporte e de comunicação de alta velocidade para viabilizar o funcionamento de diversas atividades como uma unidade em tempo real em escala planetária[2].

È compreensível que, em um mundo globalizado, as relações jurídicas comecem a ser estabelecidas cada vez mais de forma igualmente globalizada. Isso vale inclusive (e em especial) para relações jurídicas massificadas, que frequentemente dão origem aos chamados direitos individuais homogêneos, definidos na forma do art. 81, III do Código de Defesa do Consumidor[3]. Viagens internacionais envolvendo centenas ou até mesmo milhares de passageiros de diversos países, comércio eletrônico e globalizado, aquisição de ações de empresas de capital aberto no exterior, danos ambientais de repercussão em populações distantes umas das outras, entre muitas outras possibilidades: sem dúvidas, no mundo contemporâneo há cada vez mais espaço para a formação de coletividades cujos limites transcendem a fronteira de um único país.

A formação de coletividades globais cria situações de perplexidade. O mercado financeiro, o comércio, os transportes e as comunicações se desenvolvem cada vez mais de forma integrada, globalizada. O mesmo não se verifica, todavia, em relação à política mundial, ainda centrada na figura típica dos Estados nacionais. E não é provável – nem parece desejável – que a situação se modifique, pelo menos em um futuro próximo. O fenômeno da globalização, afinal, ao mesmo tempo em que integrou pessoas, economias e informações, também pretendeu submeter direitos fundamentais dos cidadãos à lógica amoral e utilitarista dos mercados financeiros.

Os Estados nacionais nasceram tomando como base uma ideia muito antiga na Europa, qual seja, a noção de soberania. Sua concepção nasceu do conflito entre duas espécies de autoridades que, ao final da Idade Média, pretendiam assumir para si uma função universal: uma espiritual (o Papa) e outra temporal (o imperador)[4]. O poder do imperador ao longo da Idade Media, se por um lado resistia a se submeter à autoridade da Igreja, por outro nunca conseguiu consolidar a constituição de um Estado, uma vez que os juramentos de fidelidade dos príncipes ao imperador sempre foram precários e as fronteiras do império permaneceram incertas. Historicamente, com o advento da Idade Moderna, a figura dos monarcas se fortalece e eles não mais se contentaram com a mera independência de fato do imperador. Em vez disso, proclamaram não haver ninguém acima deles na ordem temporal dentro do espaço geográfico de seus reinos, inscrevendo a ideia da soberania no Estado Moderno sobre um território determinado.

A concepção da soberania consolida-se teoricamente, portanto, a partir do século XVI, tendo como pano de fundo a fragmentação da Europa em Estados nacionais. O filósofo Jean Bodin caracteriza a soberania como o “poder absoluto e perpétuo” de um Estado, não sendo passível de limitação por nenhuma lei humana, nem por tempo certo. Nada obstante tal definição, ela já nasce limitada por outras soberanias, que também se dizem absolutas dentro de seus respectivos territórios, o que leva John Locke, um século mais tarde, a afirmar que o limite das leis de um Estado seria o próprio país[5]. Se em seu aspecto interno a soberania significava um poder originário, incontrastável e absoluto, no plano externo ela é concebida como sinônimo de isonomia e independência de um Estado em relação aos demais países.

Com base neste conceito dual de soberania, como poder absoluto e fragmentado, formaram-se e consolidaram-se os Estados nacionais modernos.

Este breve relato histórico importa para o presente estudo, na medida em que a noção de jurisdição vem atrelada à ideia dualista de soberania. Maquiavel já reconhecia, em sua famosa obra escrita no início do século XVI, três poderes distintos: o Legislativo (Parlamento), o Executivo (rei) e um Judiciário independente. Embora defensor de uma maior centralização do poder político, Maquiavel louvava essa forma de organização para dar ainda mais liberdade e segurança ao rei. Ao Judiciário, caberia proteger os mais fracos das ambições dos poderosos, poupando o rei da necessidade de desagradar os que não tivessem suas razões acolhidas na solução das disputas que surgissem[6].

Apenas no século XVIII, todavia, é que a doutrina da separação dos poderes é formulada de forma mais sistematizada a partir dos escritos de Montesquieu, como um sistema em que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário devem atuar de forma harmônica e independente entre si[7]. O objetivo principal dessa forma de organização não mais era poupar o monarca de eventuais desgastes na resolução de disputas, mas sim impor um freio ao seu poder que, naquela época, era exercido de forma absoluta, garantindo assim a liberdade individual dos cidadãos.

Sob os influxos da doutrina da separação dos poderes, da Revolução francesa de 1789 e do liberalismo, são formuladas as primeiras teorias a respeito da jurisdição como uma função estatal. O Estado Liberal de Direito, para impedir os desmandos do regime absolutista, erigiu a lei a um ato supremo, vinculando não apenas a administração, como também os juízes[8]. De forma geral, substituiu-se o absolutismo do rei pelo absolutismo do parlamento, visto como um veículo da “vontade geral da nação”[9]. A tarefa de julgar restaria limitada, assim, a afirmar o que já havia sido dito pelo Legislativo, de modo que ficaria o Direito, em larga medida, reduzido à lei escrita.

Essa concepção reducionista do Direito e a noção da jurisdição como uma das funções estatais[10] a serem exercidas de forma harmônica e independente influíram sobre as teorias clássicas da atividade jurisdicional elaboradas no início do século XX. Para Chiovenda, a jurisdição constituía função voltada à atuação da vontade concreta da lei, mediante substituição definitiva e obrigatória da atividade intelectual não só das partes, mas de todos os cidadãos, pela atividade intelectual do juiz. Caberia ao juiz, de acordo com essa teoria, simplesmente transformar a norma geral e abstrata determinada pelo legislador em uma norma concreta, a lei do caso submetido a juízo. O Judiciário apenas aplicaria a lei, buscando revelar a vontade do legislador no caso concreto[11].

A doutrina de Carnelutti a respeito da função jurisdicional, da mesma forma, foi influenciada pelo liberalismo político e pela teoria da separação dos poderes. Para o mestre peninsular, a jurisdição consistiria na justa composição da lide, entendida esta como o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um e pela resistência do outro interessado. O conflito de interesses, portanto, é essencial para a presença de uma atividade jurisdicional dentro do sistema de Carnelutti.

Trata-se de uma perspectiva mais privatista sobre a jurisdição que aquela de Chiovenda, que procurava a essência dessa atividade dentro das funções estatais. De todo modo, a “justa composição da lide” se justificava porque, também para Carnelutti, a lei era insuficiente, por si só, para resolver o conflito de interesses. A sentença do juiz, nessa linha de raciocínio, tinha a missão de fazer concreta a norma abstrata, com um objetivo claro: compor de forma justa a lide. A “criação” da norma individual nada mais era que um processo de adequação da norma geral ao caso concreto. A jurisdição continua, dentro dessa teoria, estritamente subordinada à atividade do legislador. 

Tradicionalmente vinculada à noção de soberania, até mesmo do ponto de vista histórico, a doutrina costuma apontar que a jurisdição tem determinadas propriedades, que nada mais são que uma decorrência dessa estreita ligação. Afirma-se, assim, que a jurisdição é una (no sentido de que cada juiz atua em nome do Estado soberano, apesar das regras de divisão de competência, tratando-se de um poder único que tem como sua origem o próprio Estado soberano); indeclinável (porque nenhum juiz pode se recusar a exercer a jurisdição quando solicitado) e, mais importante, que ela está vinculada aos limites de um determinado território, já que este é a base física da soberania[12]. Um juiz só pode exercer jurisdição dentro de seu país e os efeitos de sua decisão apenas serão verificados em outro Estado excepcionalmente, se este assim o permitir.

Chegamos assim, a uma situação paradoxal. O fenômeno da globalização reforça o estabelecimento de relações jurídicas em escala planetária e a eventual deflagração de conflitos de interesses em âmbito global, não raras vezes colocando em jogo um número massivo de interesses individuais. Por outro lado, arraigada historicamente em conceitos tradicionais de soberania, a jurisdição apresenta-se fragmentada nos diferentes países, não somente por conta de questões políticas, mas igualmente sociais e culturais, sendo ilusório imaginar que em um futuro previsível tal quadro possa ser superado. Como resolver, assim, uma lide global através de jurisdições fragmentadas?

Os inconvenientes decorrentes da solução de um conflito global em jurisdições fragmentadas são evidentes. Há, em primeiro lugar, dificuldades para que se determine qual jurisdição que terá a atribuição de resolver o conflito. É possível, por exemplo, que nenhum Estado possua jurisdição para decidir a lide global em toda a sua extensão, já que pode estar envolvido o interesse de uma coletividade de centenas ou de milhares de pessoas espalhadas por uma dezena de países[13]. Nessas circunstâncias, o ajuizamento de ações coletivas parciais em vários Estados poderia conduzir a uma situação de decisões incompatíveis entre si, sobretudo quando em jogo obrigações de fazer ou de não-fazer, a ser resolvida através de inusitada “corrida judicial” envolvendo prolação de decisões e homologações de sentenças estrangeiras, entre outras possibilidades. Isso sem falar do risco de que o pagamento de uma condenação oriunda de determinado Estado esgote o patrimônio do réu, prejudicando as demais ações coletivas parciais em curso.

Há ainda outros inconvenientes: os Estados em que foram propostas diferentes ações coletivas parciais sobre o litígio global podem adotar sistemas de vinculação da coletividade inconsistentes[14]. Imagine-se, por exemplo, uma ação coletiva indenizatória em curso nos Estados Unidos, que adota o modelo do opt out (ou seja, os indivíduos devem manifestar seu desejo de se excluir para serem desvinculados de seu resultado)[15], e outra ação coletiva na Suécia, que se utiliza do sistema opt in para a generalidade dos casos (ou seja, os indivíduos somente serão vinculados se manifestarem expressamente tal desejo, ficando desvinculados em caso de inércia)[16]. As duas ações coletivas versam sobre o mesmo conflito em escala globalizada. Nestas circunstâncias, existe o risco de que ocorra algo inusitado: membros da coletividade na Suécia que não manifestaram o desejo de ficarem vinculados à ação sueca poderão se vincular ao resultado da ação coletiva em curso nos Estados Unidos se permanecerem inertes[17]-[18].

Como se isso não bastasse, nada garante que a decisão proferida em qualquer ação coletiva seja reconhecida em outros países, já que não existe nenhum tratado multilateral com suficiente abrangência da matéria[19]. Aliás, muito pelo contrário: como os países possuem diferentes sistemas de tutela coletiva (distinções quanto à legitimação para deflagrar uma ação coletiva; às tutelas jurisdicionais disponíveis; à presença ou não de limitações quanto ao direito material suscetível de tutela coletiva[20]; aos sistemas de vinculação e ao regime da coisa julgada) e como frequentemente as ações envolvendo o interesse de um número massivo de pessoas interferem em políticas regulatórias de um ou mais Estados, há o considerável receio de que a decisão em uma determinada ação coletiva não venha a ser reconhecida em outros países. Isso pode tornar pouco atraente para o réu, por exemplo, a celebração de qualquer acordo – ainda que ele esteja disposto a um acordo em termos bastante razoáveis para o grupo – porque ele não impediria, em tese, que novas ações coletivas fossem ajuizadas em outros países[21].

A proposta do presente estudo, diante dessa situação, consiste em analisar se a arbitragem de direitos coletivos pode ser uma alternativa para a superação do atual paradoxo, cada vez mais evidente pelos próximos anos, envolvendo conflitos em escala globalizada e jurisdições estatais fragmentadas. Em outras palavras, se seria viável a administração coordenada e flexível desses litígios na esfera supranacional, tendência já prevista em outras esferas de atuação do Estado contemporâneo[22].

2. Arbitragem coletiva: um fruto do acaso? [arriba] 

A arbitragem envolvendo direitos coletivos constitui um tema complexo e ainda muito pouco explorado, não apenas no Brasil, como no mundo inteiro. Seu surgimento ocorreu quase que por acaso nos Estados Unidos, sendo percebido na vida prática antes mesmo de entrar para os livros acadêmicos.

A arbitragem coletiva no direito americano (classwide arbitration) surgiu como um indesejado efeito colateral de manobras de grandes empresas naquele país para fugir da propositura de ações coletivas (class actions) de larga escala. O simples ajuizamento de uma ação coletiva nos Estados Unidos constitui um fato perturbador para muitas empresas demandadas, na medida em que tal acontecimento é capaz de arranhar a sua imagem no mercado[23], além de gerar a perspectiva, na hipótese de procedência, de uma condenação que pode chegar a milhões ou mesmo a bilhões de dólares. Não surpreende, assim, que existam relatos sobre a utilização de ações coletivas naquele país como um verdadeiro instrumento de “chantagem legalizada” (legalized blackmail[24]) por parte de determinados escritórios de advocacia, que estimulam e financiam o ajuizamento de ações coletivas, algumas vezes com pretensões infundadas, com o escopo de pressionar os réus a celebrarem acordos que lhes garantam generosos honorários.

Como o direito americano é extremamente liberal em relação a arbitragens sobre direitos do consumidor e sobre contratos de adesão em geral[25], a partir dos anos 80 do século XX, algumas grandes empresas, em deliberada tentativa de escapar das temidas ações coletivas, começaram então a incluir convenções de arbitragem em seus contratos. A manobra imaginada de início era simples: em caso de ajuizamento de qualquer class action no Poder Judiciário norte-americano, seria alegada a sua inadmissibilidade pela empresa demandada, uma vez que a convenção de arbitragem serviria como escudo, impedindo que a matéria viesse a ser submetida ao Judiciário[26].

Embora a estratégia tenha funcionado em alguns casos, em que os consumidores foram encaminhados à via arbitral[27], que funcionava de forma basicamente individual, não demorou muito até que os escritórios de advocacia interessados no ajuizamento de ações coletivas vislumbrassem uma ousada forma de contra-ataque. Como não havia na legislação e nem nos contratos qualquer proibição específica contra a certificação[28] de ações coletivas também na arbitragem, por que não tentar?

A questão ganhou contornos inesperados nos Estados Unidos. O ordenamento jurídico norte-americano, em larga medida, é pouco regulamentado em determinadas áreas porque confia na possibilidade de ajuizamento de ações coletivas para servir como freio às condutas ilícitas dos agentes do mercado (deterrence). Confia essencialmente nas próprias partes litigantes para que reclamem em juízo interesses de ordem pública ou que interessem à coletividade (private attorney general), liberando o Estado do dever de instituir e manter agências governamentais para este fim[29].

Por isso, inclusive, que a advocacia empreendedora (entrepreneurial bar), que consiste no financiamento dos processos e de suas despesas em geral pelo escritório de advocacia, com a esperança de receber generosos honorários ao final, não apenas é permitida naquele país, como é incentivada. Ademais, não existe nos Estados Unidos, pelo menos na maioria dos estados, uma defensoria pública estruturada na esfera cível como ocorre no Brasil[30]. Por estes motivos, considerando-se, ainda, que o processo civil americano é normalmente muito caro, sobretudo em virtude da fase investigatória das provas (discovery), a única maneira de abrir as portas dos tribunais a pessoas pobres ou até mesmo de classe média e permitir que contratem profissionais competentes é através do financiamento do litígio pelos escritórios de advocacia.

Nesse peculiar e equilibrado jogo de forças, o banimento das ações coletivas por meio de convenções de arbitragem traria prejuízos não apenas aos membros do grupo afetado, mas para toda a sociedade norte-americana. Tornou-se evidente que muitos dos indivíduos afetados pela conduta atribuída ao demandado não iriam a juízo reclamar em um processo individual, seja no Poder Judiciário ou junto a um tribunal arbitral, dado o reduzido valor das pretensões isoladamente consideradas. Em tais circunstâncias, as grandes empresas não se sentiriam compelidas a atuar conforme a lei, o que poderia ser desastroso em uma sociedade pouco regulamentada.

O Poder Judiciário norte-americano poderia ter privilegiado os fins específicos da tutela coletiva, considerando inválidas convenções de arbitragem que tivessem a finalidade de inibir o ajuizamento de class actions. Havia o receio, porém, de que uma excessiva intervenção judicial pudesse também trazer consequências indesejadas para o desenvolvimento da arbitragem naquele país. Algumas decisões das justiças estaduais a partir do início da década de 80 do século passado, assim, preferiram adotar uma solução de compromisso, buscando preservar simultaneamente os propósitos da tutela coletiva e da arbitragem. Permitiu-se, através da arbitragem coletiva, que os interesses comuns de todo um grupo fossem perseguidos em um procedimento arbitral, de forma semelhante ao que já acontecia tradicionalmente no Poder Judiciário[31].

Durante as décadas de 1980 e 1990, porém, acreditava-se ainda que a arbitragem coletiva fosse como uma espécie de “criatura mítica”: metade arbitragem, metade ação coletiva e raramente vista na prática, eis que relegada a algumas cortes estaduais norte-americanas que a admitiam[32].

O assunto, porém, ganhou proeminência nacional no ano de 2003, por ocasião do julgamento do caso Bazzle pela Suprema Corte dos Estados Unidos. Decidiu-se que, existindo convenção de arbitragem, incumbe aos árbitros (não aos juízes) decidirem se a cláusula permite o processamento coletivo das pretensões[33]. Prevaleceu a concepção, já arraigada entre os especialistas em arbitragem, de que incumbe aos árbitros decidirem sobre sua própria competência (princípio da competência-competência)[34], não existindo proibição no ordenamento jurídico norte-americano para uma arbitragem coletivizada. A Suprema Corte daquele país, todavia, evitou se pronunciar sobre a hipótese em que a própria convenção proibisse uma arbitragem na forma coletiva, abrindo as portas para uma nova manobra evasiva das grandes empresas e deixando de resolver considerável divergência nos tribunais inferiores sobre a questão[35].

Pouco após a decisão da Suprema Corte em Bazzle, que reconheceu, em tese, a viabilidade da arbitragem coletiva, importantes instituições de arbitragem naquele país editaram regulamentos destinados a disciplinar o instituto. Ainda em 2003, a American Arbitration Association (AAA) publicou seu regulamento sobre arbitragem coletiva[36], em larga medida inspirado na Regra 23 das Federal Rules of Civil Procedure (FRCP), que disciplinam as ações coletivas no âmbito da Justiça Federal norte-americana. No ano de 2005, foi a vez de a Judicial Arbitration and Mediation Services (JAMS) editar seu regulamento sobre arbitragens coletivas[37], também inspirado, de certa maneira, na Regra 23 das FRCP, mas se diferenciando das regras da AAA em variados aspectos, sobretudo em relação as hipóteses de intervenção do Poder Judiciário no curso do processo arbitral coletivo.

A situação, no entanto, ainda está longe de uma solução que seja minimamente satisfatória nos Estados Unidos. Não se sabe, em primeiro lugar, qual seria o papel a ser desempenhado pelo Judiciário no curso de uma arbitragem coletiva, em que estarão em jogo os interesses de uma coletividade inteira. Os autores e juízes norte-americanos já vislumbraram quatro sistemas de relações entre Poder Judiciário e arbitragem coletiva: (i) modelo híbrido, no qual todos os aspectos atinentes ao juízo de admissibilidade da certificação coletiva e à notificação dos membros da coletividade permanecem com o juiz, cabendo ao árbitro somente o julgamento do mérito[38], já descartado pela decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Bazzle[39]; (ii) modelo de revisão imediata, adotado pelos regulamentos da AAA e da JAMS, em que incumbe ao árbitro analisar o requerimento de certificação coletiva, permitindo-se, todavia, a revisão imediata dessa decisão pelo Poder Judiciário[40]; (iii) modelo de revisão postergada, em que cabe ao árbitro promover o juízo de admissibilidade da arbitragem coletiva, sendo possível a revisão da decisão que deferir a certificação coletiva pelo Judiciário somente após o encerramento do processo arbitral[41]; (iv) modelo arbitral puro, em que não incumbe ao Judiciário rever a certificação coletiva, sendo possível a anulação da decisão do árbitro somente nas hipóteses estabelecidas no Federal Arbitration Act (FAA)[42].

Com exceção da primeira alternativa, que parece ter sido superada pela evolução doutrinária e jurisprudencial ainda tímida em termos de arbitragem coletiva nos Estados Unidos, não é possível definir claramente o modelo mais conveniente, visto que, nesta hipótese específica, não basta somente tutelar a autonomia da vontade das partes que formalmente participarem da arbitragem. É preciso que também estejam adequadamente tutelados os interesses da coletividade. E a experiência prática da AAA e da JAMS em arbitragens coletivas não tem sido muito consistente, tendo em vista que, apesar do número considerável de arbitragens envolvendo interesses coletivos em curso, não se tem ainda conhecimento de nenhuma que tenha acarretado uma decisão de mérito[43]. Na maior parte dos casos, ou a arbitragem coletiva não chega sequer a ser admitida ou a controvérsia se resolve por desistência ou por acordo, sem que seja necessário deflagrar as fases processuais mais complexas e controvertidas do instituto.

Além disso, quatro recentes decisões da Suprema Corte daquele país podem vir a representar novas incertezas para a arbitragem coletiva. No caso Stolt-Nielsen, em que os árbitros consideraram-se competentes para o processamento de uma arbitragem na forma coletiva, mesmo não havendo previsão expressa nesse sentido na convenção de arbitragem, decidiu a Suprema Corte que teria havido violação ao FAA. Os árbitros não poderiam decidir com base em seus próprios juízos de conveniência, devendo-se ater à interpretação do contrato para definir se as partes teriam consentido com a arbitragem coletivizada das pretensões em discussão. E não poderiam chegar à conclusão de que a arbitragem coletiva foi admitida no absoluto silêncio do contrato – circunstância fática com a qual as partes concordavam – e sem qualquer outra evidência.[44] Ao que parece, tal decisão fortaleceu a posição daqueles que defendem o modelo de revisão imediata da decisão dos árbitros pelo Judiciário, de questionável efetividade.

Em abril de 2011, mais uma vez a Suprema Corte dos Estados Unidos enfrentou o tema da arbitragem coletiva. Por ocasião do julgamento do caso Concepcion, decidiu-se, pelo apertado placar de cinco votos a quatro, não ser possível considerar inválidas, de forma abstrata e genérica, disposições inseridas nas convenções de arbitragem que afastassem a certificação na forma coletiva. Segundo o entendimento que prevaleceu, o FAA impõe que tais convenções sejam cumpridas na forma contratada pelas partes, afastando a aplicação de eventual norma estadual restritiva.[45] A Suprema Corte destacou, ademais, que a certificação coletiva traz maior complexidade à arbitragem, que se torna demorada, dispendiosa e gera grande risco ao demandado, não sendo possível impor-lhe que se submeta a tal procedimento arbitral contra a sua vontade.[46]

Tal entendimento foi reafirmado pela Suprema Corte no caso Amex, julgado em junho de 2013. Em demanda instaurada entre estabelecimento comercial e conhecida administradora de cartão de crédito, cujo contrato contemplava convenção arbitral, com renúncia ao processamento coletivo das demandas, considerou-se que nem mesmo o interesse público envolvido em leis antitruste norte-americanas poderia invalidar o estipulado entre as partes, por não existir ressalva legislativa nesse sentido, nem nas leis de direito material invocadas, nem no FAA.[47] Sequer a alegação apresentada pelo estabelecimento comercial de que seria economicamente inviável veicular sua demanda em uma arbitragem individual justificaria desconsiderar a cláusula compromissória e a renúncia à certificação coletiva.[48]

Por outro lado, no mesmo mês, a Suprema Corte julgou o caso Oxford Health Plans, que envolvia um médico e um plano de saúde. O autor pretendia a certificação de uma ação coletiva em benefício dos médicos de Nova Jérsei que celebraram contrato com o plano de saúde, sob o fundamento de que este pagava a menor os honorários médicos ajustados. Tendo em vista que o contrato continha convenção de arbitragem, após insucesso perante o Judiciário e encaminhamento do caso ao árbitro, insistiu-se na certificação coletiva. O árbitro considerou que a cláusula celebrada, embora de forma não expressa, contemplava o processamento coletivo. O plano de saúde se dirigiu ao Poder Judiciário para impugnar tal decisão. Para tanto, valeu-se do precedente firmado pela Suprema Corte em Stolt-Nielsen, segundo o qual a arbitragem coletiva não poderia ser admitida no silencio do contrato firmado entre as partes.

A Suprema Corte, entretanto, manteve a decisão das instâncias ordinárias, que haviam confirmado a determinação do árbitro. Considerou-se por unanimidade que, ao contrário do que alegava o recorrente, tendo as partes concordado que incumbia ao árbitro interpretar a convenção,[49] o Poder Judiciário não poderia rever o mérito de suas decisões – ainda que, eventualmente, não coincidissem com o entendimento do juiz[50] – e que o precedente em Stolt-Nielsen era inaplicável, porque havia ali uma circunstância peculiar: as partes tinham concordado que o contrato silenciava sobre a admissibilidade da arbitragem coletiva, ao contrário do que ocorria aqui, em que o plano de saúde e o médico controvertiam sobre a interpretação da convenção arbitral.[51]

Embora ainda seja cedo para definir as consequências dessas decisões,[52] que, na prática, acabaram por chancelar a manobra de algumas grandes empresas para fugir das ações coletivas, não parece que o futuro da arbitragem coletiva nos Estados Unidos seja dos mais auspiciosos. Pelo que se verifica dos casos examinados, a Suprema Corte não se tem mostrado sensível à necessidade de promover a tutela coletiva nos contratos de adesão, reinando a insegurança jurídica na matéria.

Ao que parece, apenas nos casos em que a convenção permitir de forma expressa a arbitragem coletiva é que será, sem sombra de dúvidas, admitido o seu processamento. Trata-se, entretanto, de hipótese raríssima, já que, em regra, as pretensões suscetíveis de coletivização, como tem sido normalmente observado nos Estados Unidos, decorrerão de contrato de adesão cujas cláusulas serão redigidas pelo fornecedor de produtos ou prestador de serviços, que, na maioria dos casos, terá interesse de impedir a certificação de toda e qualquer ação coletiva, seja judicial ou na arbitragem.

É possível, por exemplo, que tais decisões da Suprema Corte venham a acelerar o andamento, no Congresso norte-americano, do Arbitration Fairness Act, que, como já se viu, consiste em um projeto de lei que pretende impor severas restrições à arbitragem em matéria de direito do consumidor e de relações trabalhistas[53]. Em caso de aprovação, os Estados Unidos se aproximariam da legislação de muitos outros países que também restringem a arbitrabilidade desse tipo de controvérsias[54], tornando ainda mais limitado o cabimento de arbitragens coletivas. Parece, assim, que em âmbito doméstico a melhor solução seria mesmo resolver tais conflitos massificados no Judiciário.

Pelo histórico aqui traçado, pode parecer que a arbitragem coletiva constitui um instituto tipicamente norte-americano, originado a partir de deficiências na legislação dos Estados Unidos e de manobras de algumas grandes empresas para fugir das ações coletivas[55]. Entretanto, ela já pode ser encontrada também em outros países.

A influência norte-americana logo se fez sentir no Canadá. Nesse sentido, um tribunal situado na província de Ontário, no ano de 2002, antes mesmo dos precedentes relatados na Suprema Corte dos Estados Unidos, já teve a oportunidade de considerar válida uma convenção de arbitragem que continha renúncia ao processamento coletivo de demandas, em circunstâncias bem semelhantes aos precedentes que protagonizaram o desenvolvimento da arbitragem coletiva no direito norte-americano.[56]

Em 2005, mais uma vez envolvendo a situação de contratos de adesão, o tribunal de apelações de Québec considerou inválida a convenção de arbitragem arguida como defesa em uma ação coletiva, porque os consumidores não teriam sido devidamente informados sobre a sua existência. Esta decisão, entretanto, foi reformada pela Suprema Corte do Canadá em 2007, para afastar a certificação coletiva do processo e encaminhar as pretensões individuais do representante do grupo à arbitragem.[57]-[58]

Nos dois casos em questão, ainda que não se tenha deflagrado uma arbitragem coletiva, até porque não se tem conhecimento de instituições no Canadá que tenham editado regulamentos similares aos da AAA e da JAMS, também não se decidiu pela sua incompatibilidade com a legislação canadense, permanecendo a questão em aberto, de forma semelhante ao que ocorreu nos Estados Unidos após o julgamento do caso Bazzle. Aliás, pelo menos um autor já sustentou que a arbitragem coletiva deve ser admitida no Canadá, sob o fundamento de que tal iniciativa abriria as portas para um instrumento mais eficiente de tutela coletiva de âmbito internacional.[59]

Como se pode imaginar, há ainda muita incerteza sobre o assunto, como consta de relatório da Comissão de Reformas Legislativas de Manitoba, órgão público ligado ao governo daquela província canadense, que concluiu que a previsão de arbitragem coletiva em sua legislação local não seria prudente naquele momento. Recomendou-se a mesma solução adotada em Québec e Ontário: restringir convenções de arbitragem e cláusulas de renúncia às ações coletivas no âmbito dos contratos de consumo.[60]

No ano de 2011, houve mais um importante precedente sobre as arbitragens coletivas, com o julgamento, pela Suprema Corte daquele país, do caso Seidel.[61] Na hipótese, contratos de adesão de prestação de serviços de telefonia celular continham cláusula arbitral, com expressa renúncia à instauração de ações coletivas, em situação fática que se assemelhava ao caso enfrentado pela Suprema Corte norte-americana em Concepcion. Havia, contudo, um dado diferente do precedente julgado nos Estados Unidos e que conduziria a solução totalmente diversa: a legislação da província da Colúmbia Britânica, de onde se originou o caso em tela.

Após reconhecer que incumbia ao legislador local disciplinar as questões em controvérsia e analisar as normas da província da Colúmbia Britânica, a Suprema Corte canadense concluiu, por apertada maioria – cinco votos a quatro –, que alguns dos pedidos formulados pela autora deveriam ser apreciados pelo Poder Judiciário, em que pese à convenção de arbitragem, na medida em que a legislação local vedava qualquer renúncia a direitos do consumidor.[62] Afastou-se, ainda, a aplicação dos precedentes da Suprema Corte em Dell e Rogers, sob o fundamento de que, naqueles casos, a legislação local vigente à época era omissa, razão pela qual deveria ser rigorosamente observada a convenção de arbitragem.[63] Quanto à renúncia contratual à instauração de demandas coletivas, considerou-se que, nos termos específicos ajustados, tal disposição estava umbilicalmente vinculada à convenção arbitral, de maneira que, sendo esta inválida, restaria também sem efeito a renúncia à certificação coletiva.[64]

O fato é que no Canadá, em um grau de insegurança jurídica ainda maior que nos Estados Unidos, não estão bem definidos nem o âmbito de cabimento da arbitragem coletiva – valendo destacar que o precedente formado no caso Seidel foi construído com base na interpretação da legislação local e do contrato celebrado no caso concreto, não podendo ser ampliado indiscriminadamente –, nem a divisão de trabalho entre Poder Judiciário, árbitros e representantes da coletividade. Além disso, não há instituições de arbitragem no Canadá que tenham editado regulamentos sobre o assunto e não se tem definido sequer o procedimento a ser observado nesse caso.

Naturalmente, por mais fortes razões, não se tem conhecimento de precedentes no Poder Judiciário canadense sobre questões importantes em uma arbitragem coletiva, tais como competência – juiz ou árbitro? – ou critérios para a certificação coletiva; requisitos de notificação do grupo; sistema de vinculação dos membros da coletividade que não participarem formalmente do procedimento arbitral; regime da coisa julgada e procedimento para a aprovação de acordos.

Ao que parece, também no Canadá não há grandes perspectivas para, a curto ou a médio prazo, a arbitragem coletiva se desenvolver, não apenas em razão de todas as indefinições apontadas, mas também porque, desde o seu nascimento, o instituto esteve relacionado a tentativas de litigantes repetitivos destinadas a inviabilizar a tutela coletiva, o que atraiu a oposição de diversos grupos de defesa do consumidor e até mesmo de alguns setores do Poder Judiciário. Não por acaso, duas das mais populosas e importantes províncias canadenses (Ontário e Québec) adotaram legislação restritiva às arbitragens envolvendo contratos de consumo.[65]

Também em alguns países tradicionalmente filiados à civil law já se observaram manifestações em termos de arbitragem coletiva. Na Alemanha, após ser proferida uma decisão pelo Tribunal Federal de Justiça alemão (Bundesgerichtshof ou BGH) em abril de 2009, declarando arbitráveis disputas envolvendo interesse de acionistas em geral[66], uma das principais instituições de arbitragem em atividade naquele país, o Instituto Alemão de Arbitragem (Deutsche Institution für Schiedsgerichtsbarkeit ou DIS) editou um novo regulamento para disciplinar os procedimentos envolvendo certos litígios em matéria de direito societário[67].

O novo regulamento do DIS estabelece uma espécie de arbitragem coletiva entre os acionistas. Exige-se que a convenção de arbitragem tenha sido celebrada por todos os interessados, mediante cláusula inserida nos atos constitutivos da sociedade ou, ainda, em documento apartado (Regra 1.1 do regulamento). Admite-se que qualquer acionista deflagre uma arbitragem nesses termos, cujos efeitos podem atingir a sociedade e todos os demais acionistas, que deverão ser identificados pelo demandante e notificados para que, querendo, intervenham no procedimento arbitral (Regra 2.1). Caso um interessado intervenha na arbitragem no prazo estabelecido, será dela considerado como parte para todos os efeitos (Regra 4.1). No entanto, mesmo aqueles que não intervenham em momento algum no procedimento arbitral estarão vinculados ao seu resultado (Regra 11) e deverão continuar a ser informados sobre o andamento do processo, a não ser que tenham aberto mão desse direito expressamente (Regra 5.1). A instauração de uma arbitragem torna inadmissível que novo procedimento possa ser deflagrado sobre a mesma causa de pedir (Regra 9.2)[68].

É interessante notar que, em alguns aspectos, a disciplina da arbitragem coletiva pelo DIS, quando confrontada com as regras sobre o tema editadas por instituições nos Estados Unidos (AAA e JAMS), deixa transparecer algumas distinções que decorrem do próprio sistema de tutela coletiva em vigor nos dois países. Na Alemanha, esse regime de arbitragem coletiva foi previsto para um tipo específico de litígios, em matéria de direito societário, ao contrário do modelo norte-americano, em que o processo coletivo arbitral está disponibilizado, pelo menos em tese, para qualquer direito material. Além disso, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, o regulamento editado pelo DIS não previu o direito de auto-exclusão (opt out), embora não se possa concordar com a conclusão de que se trate de um modelo de vinculação por inclusão (opt in)[69], porque a Regra 11 dispõe que mesmo aqueles acionistas que não intervenham no procedimento arbitral ficarão vinculados ao seu resultado.

Talvez se possa imaginar por esse primeiro confronto que, caso a arbitragem coletiva se desenvolva no futuro, sua evolução ocorrerá, em âmbito doméstico, à luz do sistema de tutela coletiva vigente para o Poder Judiciário em cada país. Em outras palavras, as regras sobre arbitragem coletiva reproduziriam, no que fosse compatível, a disciplina processual em vigor para as ações coletivas a serem propostas no Judiciário. Isso facilitaria não apenas a assimilação de um novo instituto, ainda desconhecido pela grande maioria dos operadores do Direito, como também evitaria impugnações à própria conveniência da arbitragem coletiva. Assim, se um determinado sistema não previu a tutela coletiva indenizatória, por exemplo, não parece prudente coletivizar pretensões de cunho indenizatório no âmbito da arbitragem.

Por outro lado, mesmo em países sem nenhuma tradição de arbitragens coletivas ela pode ocasionalmente surgir. Na Colômbia, por exemplo, acionistas ingressaram em juízo com uma ação coletiva questionando a fusão de duas instituições financeiras da qual participavam. Ainda que existisse uma convenção de arbitragem em discussão, o processo foi instaurado no Poder Judiciário, sob a alegação de que as ações coletivas na Colômbia apenas podem ser apreciadas pelos juízes estatais. Nada obstante, submetido o caso à Suprema Corte de Justiça daquele país, foi mantida a decisão das instâncias inferiores, segundo a qual a convenção de arbitragem celebrada com os acionistas não excluía de seu âmbito de aplicabilidade as ações coletivas, não se encontrando, ainda, qualquer proibição no ordenamento jurídico colombiano nesse sentido. Por isso, ainda que, em regra, as ações coletivas não possam ser submetidas à arbitragem, neste caso específico todos os acionistas haviam celebrado convenção para este fim. Além disso, a lei colombiana equiparava os árbitros a juízes, dentro dos limites da convenção arbitral celebrada entre as partes interessadas[70]. Assim, o caso acabou sendo resolvido mediante arbitragem administrada pela Câmara de Comércio de Bogotá[71].

O surgimento ocasional de arbitragens coletivas em alguns países conduz a uma questão óbvia: poderiam elas também nascerem no Brasil?

No Brasil, parece bastante improvável, no cenário atual, o desenvolvimento de arbitragens coletivas nas mesmas condições que outros países. O direito pátrio proíbe que convenções de arbitragem sejam impostas ao consumidor (art. 51, VII do CDC). A doutrina nacional, da mesma forma, pouco tem discutido o assunto.

Há, no direito brasileiro, fundada dúvida sobre a possibilidade de arbitragens coletivas por se entender tradicionalmente que os direitos coletivos, de modo geral, são indisponíveis, estando fora da esfera de arbitrabilidade objetiva definida pelo art. 1º da Lei nº 9.307/96, que a limita unicamente aos direitos patrimoniais disponíveis. Além disso, a ausência de qualquer disciplina legal ou mesmo em regulamento de instituição de arbitragem torna o instituto um ilustre desconhecido no Brasil, mesmo encontrando previsão em sede constitucional para os dissídios coletivos do trabalho, nos termos do art. 114, §§ 1º e 2º da Carta Magna.

A verdade é que a polêmica sobre a arbitrabilidade das pretensões coletivas no Brasil constitui um tema ainda pouco explorado e que está longe de qualquer consenso mínimo. Além dos autores que simplesmente entendem inviável qualquer arbitragem de direitos coletivos e daqueles que só a consideram possível dentro dos limites estritos de transação atinentes ao modo e lugar de cumprimento das obrigações, há quem sustente a arbitrabilidade dos direitos coletivos stricto sensu de forma geral (mas não dos direitos difusos)[72], ou unicamente dos direitos individuais homogêneos (mas não dos direitos difusos ou coletivos)[73], ou, de forma mais restritiva, somente dos direitos individuais homogêneos e quando não houver relevância social suficiente para tornar obrigatória a intervenção do Ministério Público, como parte ou como fiscal da lei[74].

Mesmo assim, não se pode ainda concluir peremptoriamente que seria inviável o surgimento de arbitragens coletivas no país. Se é verdade que o Código de Defesa do Consumidor inibe a celebração de convenções de arbitragem, não se pode desprezar o fato de que semelhante vedação não é prevista para os contratos de adesão em geral (art. 4º, § 2º da Lei nº 9.307/96). De acordo com o referido dispositivo, seria possível prever a resolução de conflitos por meio de arbitragem, desde que por iniciativa do aderente ou, ainda, mediante documento em apartado ou em cláusula inserida no próprio contrato de adesão, destacada em negrito e com visto específico para este fim. Além disso, não se pode descartar a hipótese de que a arbitragem coletiva venha a se verificar no Brasil em certos tipos específicos de disputas, como no âmbito do direito societário, tal como já ocorreu, por exemplo, na Alemanha e na Colômbia.

Afinal, os direitos coletivos poderiam ser considerados disponíveis para fins de arbitragem? Em que circunstâncias? Como a arbitragem coletiva seria operacionalizada para que não ocorram abusos e sem que o instituto perca a sua efetividade? A quem caberia a tarefa de escolher os árbitros? Quem arcaria com as despesas processuais da arbitragem e com os honorários dos árbitros, considerando que, para as ações coletivas promovidas perante o Poder Judiciário, está o legitimado ativo dispensado de pagar quaisquer despesas, nos termos do art. 18 da Lei da Ação Civil Pública e do art. 87 do Código de Defesa do Consumidor? Como assegurar que o Ministério Público, quando não for o demandante, atue na arbitragem na condição de custos legis, como se verifica nos processos judiciais, por força do art. 5º, § 1º da Lei da Ação Civil Pública?

Estas são perguntas difíceis de serem respondidas e que evidenciam que o futuro da arbitragem coletiva doméstica, pelo menos no Brasil, é ainda incerto.

Voltando, porém, à proposta inicial do presente estudo, cumpre investigar se a arbitragem coletiva poderia ser uma alternativa vantajosa para a resolução de conflitos globalizados, cujo círculo de interessados ultrapasse os limites de um país, superando, assim, os inconvenientes de sua resolução por jurisdições fragmentadas.

3. Arbitragem coletiva e conflitos em escala globalizada [arriba] 

Em âmbito globalizado, como já se viu, é improvável que os Estados abandonem a concepção fragmentada de soberania e, consequentemente, de jurisdição que está em vigor já há alguns séculos. É igualmente improvável a criação de um tribunal de âmbito global, que se sobreponha às jurisdições estatais[75]. A solução para os conflitos coletivos globalizados sem os inconvenientes já discutidos na primeira parte do presente estudo, portanto, não pode ser oferecida pelo Judiciário.

A utilização da arbitragem coletiva em âmbito transnacional já foi observada em situações específicas. No caso Abaclat v. Argentina, por exemplo, administrado pelo Centro Internacional para a Resolução de Conflitos sobre Investimentos do Banco Mundial[76] (ICSID – International Centre for the Settlement of Investment Disputes), mais de 180 mil investidores, a maioria com domicílio na Itália, representados por uma associação criada para a defesa de seus interesses, instauraram uma arbitragem contra a Argentina, por conta de títulos inadimplidos em virtude da crise econômica de 2001.

Instaurada a controvérsia entre as partes acerca do cabimento da arbitragem na forma coletiva, considerou o tribunal arbitral, por maioria, que, tendo sido estipulado que eventuais controvérsias seriam submetidas à arbitragem, nada impedia que fossem processadas em um só procedimento as múltiplas demandas veiculadas, adaptando-se o regulamento em vigor (ICSID Arbitration Rules).[77] Ao contrário do que alegou o demandado, a ausência de previsão expressa no regulamento não deve ser interpretada como “silêncio qualificado”, ou seja, uma proibição à arbitragem coletiva, mas apenas que tal hipótese não havia sido contemplada quando o regulamento foi editado. Por conta disso, tratando-se de simples lacuna, os árbitros teriam o poder de adaptar o procedimento ali disciplinado às necessidades do caso.[78]

Após discorrer que as adaptações ao procedimento arbitral tinham por objeto em especial a forma como o tribunal apreciaria as alegações e provas a serem produzidas, não individualmente para cada investidor, mas por amostragem, e a representação dos autores, que pressupunha reconhecer que a associação seria o devido representante do grupo, os árbitros deduziram que o procedimento coletivizado seria apropriado diante da homogeneidade das pretensões de cada investidor.[79] Eventuais questões individuais, como as circunstâncias específicas em que cada membro do grupo adquiriu títulos da dívida pública argentina, seriam irrelevantes para o deslinde da controvérsia.

Além disso, a alternativa a esse procedimento coletivizado seria impor que todos os investidores instaurassem milhares de arbitragens autônomas sobre a mesma questão, o que não apenas acarretaria um custo proibitivo para muitos membros do grupo afetado, conduzindo a uma situação de denegação de justiça, como simplesmente inviabilizaria a regular administração de outros procedimentos arbitrais pelo ICSID, cujo número total de casos pendentes não passa de algumas centenas.[80]

Em relação à adequação da associação como representante do grupo, embora houvesse dúvidas das reais intenções do ente associativo – cuja atuação foi financiada por instituições bancárias que poderiam eventualmente vir a ser demandadas pelos investidores, colocando a associação em potencial conflito de interesses –,[81] considerou o tribunal que os indivíduos, devidamente informados, assentiram expressamente com a sua atuação na arbitragem[82] e seriam beneficiados por não terem que arcar com as elevadas despesas decorrentes de um caso complexo e administrado por instituição sediada fora dos limites do território italiano.[83]

Destaque-se que um dos árbitros ficou vencido neste exame de admissibilidade, por entender, entre outras questões, que o tribunal não teria poderes para adaptar o regulamento do ICSID a um procedimento coletivizado, não podendo ainda impor sua aplicação contra a vontade do demandado.[84]

Ultrapassada a fase de admissibilidade, o caso continua pendente, aguardando que seja proferida decisão de mérito.[85] É provável, porém, que eventual provimento contrário aos interesses da Argentina seja objeto de medidas judiciais destinadas à sua anulação, trazendo novos capítulos para a discussão em análise.[86]

Esse caso, como se observa, envolveu situação bastante específica, em que se confrontam, de um lado, investidores internacionais e, de outro, um Estado.

A arbitragem coletiva, porém, é capaz de revelar suas potencialidades para uma gama muito maior de casos. Em primeiro lugar, um tribunal arbitral pode exercer a sua jurisdição sobre toda a coletividade global de uma só vez, independentemente de onde as partes e as provas se encontrem. A jurisdição dos árbitros decorre da soberania estatal apenas de forma indireta, quando o Estado reconhece efeitos jurídicos ao procedimento e, especialmente, à sentença arbitral. A fonte imediata da jurisdição na arbitragem está consubstanciada na convenção de arbitragem. Consequência disso é o enfraquecimento do princípio da aderência ao território, uma vez que nada impede que os árbitros reúnam documentos no Brasil, realizem audiência nos Estados Unidos e acompanhem uma perícia produzida no Japão, em um único procedimento e independentemente de cartas rogatórias ou de qualquer outra formalidade.

O procedimento na arbitragem, portanto, se desenvolve de acordo com os limites da convenção de arbitragem, sem se vincular a nenhum território específico, senão aquele determinado pela própria convenção ou, na falta de estipulação, pelos árbitros, observadas as garantias processuais e as normas de ordem pública aplicáveis[87].

A existência de um único processo com jurisdição sobre todo o litígio global, por outro lado, pode impedir que sejam proferidas decisões incompatíveis entre si, sobretudo quando em jogo obrigações de fazer ou de não fazer. Assegurará, ainda, o tratamento igualitário entre todos os integrantes da coletividade, não apenas evitando que uma condenação em favor das vítimas oriundas de um Estado específico esgote todo o patrimônio do réu[88], em prejuízo ao restante do grupo, como também estimulará o demandado a aceitar um acordo em melhores condições para toda a coletividade, visto que será possível compor a totalidade do litígio.

Uma das grandes vantagens tradicionalmente atribuídas à arbitragem sempre foi a sua flexibilidade, permitindo soluções menos rígidas e formais que as disponibilizadas no âmbito da jurisdição estatal, inclusive do ponto de vista procedimental. Os árbitros podem, nos limites da convenção de arbitragem, adequar o procedimento para o caso concreto. Em uma arbitragem coletiva, tal característica pode ser de enorme utilidade[89]. O sistema de vinculação dos membros da coletividade ao resultado do processo, por exemplo, poderia ser determinado de acordo com os países abrangidos.

Em princípio, se o litígio estivesse confinado a Estados que admitem o opt out, tais como, por exemplo, Estados Unidos e Canadá, nada impediria a utilização desse regime também na arbitragem coletiva, observadas as exigências mínimas impostas para a notificação dos integrantes do grupo, em respeito ao devido processo legal. Da mesma forma, se o grupo estiver estabelecido em países que adotam o opt in, talvez seja mais prudente utilizar o critério da vinculação por inclusão[90]. Se estiverem em jogo interesses de pessoas domiciliadas em países com regimes distintos, uma possível saída seria a formação de dois subgrupos com sistemas de vinculação diferentes[91].

O mesmo se diga em relação a outros aspectos das ações coletivas que possuem variações pelos mais diversos países. A legitimação do representante da coletividade, por exemplo, poderia ser definida pelo tribunal arbitral de acordo com as legislações nacionais dos países envolvidos no litígio.

O reconhecimento de uma sentença proferida na arbitragem coletiva nos países abrangidos pelo litígio global também seria facilitado, em comparação a uma decisão proferida pelo Poder Judiciário. Isso porque, no âmbito da arbitragem internacional, pode ser invocada a Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras[92], ratificada por cerca de cento e cinquenta países, incluindo o Brasil[93]. Ainda que a existência de uma convenção, por si só, não garanta o reconhecimento da sentença arbitral em nenhum Estado[94], há pelo menos a perspectiva de que sejam utilizados critérios mais ou menos uniformes para este fim, tal como já se verifica em relação às arbitragens em âmbito individual.

Sem embargo das potencialidades apresentadas, é verdade, entretanto, que ainda há um longo caminho pela frente, antes que a arbitragem coletiva possa se tornar uma alternativa mais concreta para a resolução de litígios globais. As primeiras experiências com o instituto no Direito Comparado apontam que, para o seu desenvolvimento, seria necessária uma relativa institucionalização da arbitragem coletiva. Em outras palavras, seria preciso que uma instituição de arbitragem – preferencialmente em âmbito global – editasse um regulamento disciplinando os aspectos mais gerais de um processo coletivo arbitral, tal como visto nos Estados Unidos (regras da AAA e da JAMS) e na Alemanha (regulamento do DIS). O problema é que a principal instituição de arbitragem em escala global, a Câmara de Comércio Internacional (CCI), sediada em Paris, não parece ver com bons olhos as ações coletivas, tendo inclusive divulgado uma declaração nesse sentido em 2005[95]-[96]. Há que se considerar, todavia, que as críticas foram dirigidas de forma específica às class actions nos Estados Unidos e que não há necessidade de que a arbitragem coletiva seja disciplinada de acordo com o modelo norte-americano, como evidenciado, aliás, pelo regulamento do DIS na Alemanha.

Eventual regulamento sobre arbitragens coletivas teria que lidar com questões bastante sensíveis, para assegurar que seu resultado fosse reconhecido pelos Estados envolvidos no litígio global. Em primeiro lugar: seria viável admitir uma arbitragem coletiva deflagrada por cláusulas padronizadas inseridas em contratos de adesão ou tal determinação violaria a autonomia da vontade dos aderentes? Uma possível saída para tal questão seria estabelecer o sistema de vinculação no modelo opt in e considerar que a manifestação dos integrantes da coletividade em serem incluídos no grupo representa submissão voluntária à jurisdição do tribunal arbitral. Há que se considerar, entretanto, que tal saída pode reduzir a arbitragem coletiva à inutilidade, caso nenhum membro da coletividade exerça o direito de se vincular ao seu resultado.

Há, ainda, o problema das convenções de arbitragens omissas: se o documento não se referir de forma expressa à arbitragem coletiva, seria possível inferir do silêncio das partes envolvidas tal permissão? É interessante lembrar que, em tais circunstâncias, a Suprema Corte dos Estados Unidos considerou indevida a certificação da arbitragem coletiva, na ausência de qualquer outra evidência de que as partes teriam concordado em submeter pretensões coletivizadas à arbitragem[97].

Seria possível, ainda, que o representante do grupo firmasse uma convenção de arbitragem com o demandado após deflagrado o litígio, como sugere, aliás, o art. 19, § 1º do Projeto de Lei nº 5.139/2009 no Brasil? Quais os limites para essa convenção de arbitragem não representar uma perigosa disposição de direitos da coletividade?

Por outro lado, como seria formado o tribunal arbitral? A solução adotada pelo regulamento do DIS, na Alemanha (Regra 8.2), que separa as partes em dois times bem definidos e dá a cada uma delas o direito de escolher um árbitro, quando o tribunal for composto por três membros (o terceiro árbitro será escolhido de comum acordo entre os outros dois árbitros indicados), é satisfatória? Está compreendido nos poderes atribuídos ao representante do grupo o direito de escolher um árbitro que irá julgar a pretensão de toda a coletividade? Poderá um membro do grupo suscitar eventual impedimento ou suspeição de algum dos árbitros indicados?

Além disso, como assegurar a infraestrutura mínima necessária para que todas as informações sejam disponibilizadas aos membros do grupo potencialmente afetados? Como seria realizada a notificação dessas pessoas todas, especialmente se o litígio estiver sendo deflagrado em escala global, envolvendo países com diferentes idiomas? E pior: quem arcaria com as despesas dessa notificação, que pode envolver consideráveis valores e, por via transversa, inviabilizar a continuidade da arbitragem coletiva?

Na jurisprudência das class actions norte-americanas, como as despesas com a notificação são impostas ao representante do grupo, há pelo menos um caso de grande repercussão, julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos, cuja continuidade foi prejudicada exatamente por este motivo[98]. Na prática, o que ocorre naquele país é que os escritórios de advocacia, na perspectiva de receberem generosos honorários em caso de êxito ou eventual acordo, acabam adiantando todas as despesas processuais para viabilizar a continuidade da ação coletiva. Este modelo, porém, é bastante criticado no Direito Comparado justamente porque acaba submetendo os direitos da coletividade aos interesses econômicos do advogado atuante na causa. A solução para a viabilidade das arbitragens coletivas internacionais provavelmente terá que ser outra.

A mesma dificuldade, aliás, se observa em relação aos honorários dos árbitros a serem indicados, que podem atingir valores elevados, tendo em vista a complexidade de uma arbitragem coletiva e a grande proporção econômica que pode estar envolvida em um litígio de âmbito global. Como os árbitros não são funcionários de nenhum Estado, não existe a possibilidade imediata de financiamento público para o processamento e o julgamento de ações coletivas, tal como ocorre no Brasil, em que há previsão de isenção de despesas processuais em geral para o legitimado ativo nas ações civis públicas e nas ações populares em geral, ressalvado os casos de comprovada má-fé[99].

Além disso, há que se considerar que, em arbitragens em geral, a jurisdição dos árbitros se encerra após a fase de conhecimento, quando é proferida a sentença arbitral. Admitindo-se, porém, a arbitragem coletiva para o processamento de pretensões contra um fundo limitado de recursos financeiros do réu ou, ainda, para a administração de acordos de âmbito global, que normalmente exigem acompanhamento ao longo da fase de execução, como compatibilizar tal necessidade? Como assegurar, em uma arbitragem coletiva, a infraestrutura mínima exigida para a administração de acordos aprovados e de execuções das decisões proferidas pelos árbitros?[100]

Enfrentar cada uma dessas questões demandaria um estudo de proporções muito maiores que o que aqui se apresenta, mas a referência a estas dificuldade é importante para demonstrar que ainda falta um caminho considerável a ser percorrido para que as arbitragens coletivas possam ser utilizadas em âmbito global.

4. Conclusão [arriba] 

Vivemos a era das crises. Crise de legitimação do Estado. Crise da sociedade. Crise da Justiça. Crise ambiental. Crise financeira e econômica. O rol é exemplificativo. Por trás de tantas crises, das mais variadas categorias e espécies, um fato sobressai: a sociedade contemporânea ainda em busca de identidade.

A sociedade atual é pós-moderna, pós-marxista, pós-freudiana, pós-positivista, pós-darwinista. Ou, se preferir, ela também pode ser considerada neoconstitucionalista, neoprocessualista e neoliberal. Nos mais variados ramos do conhecimento, vivemos uma época de rompimento com as teorias clássicas, caracterizando o fim de uma era e o início de algo novo, que ainda não se identificou. Prevalecem a descrença da razão, a insegurança, o vazio teórico e a volatilidade das informações.

No âmbito do presente estudo, verificou-se mais outra crise: o surgimento de conflitos globais para serem resolvidos por jurisdições fragmentadas.

Seria a arbitragem coletiva a saída para a superação desse paradoxo? Até este momento, a grande maioria das arbitragens coletivas surgiu em âmbito doméstico, em especial nos Estados Unidos, cuja legislação não contempla as proteções necessárias para inibir a inserção de convenção de arbitragem nos contratos de adesão em geral. Mas o estudo do Direito Comparado revela que a arbitragem coletiva começa a surgir também em outros países, como Canadá e Alemanha.

Estaríamos ingressando em uma nova era, de admissão das arbitragens coletivas para resolver conflitos que ultrapassam as fronteiras de um estado? Seria o caso Abaclat o primeiro de muitos que surgirão ao longo das próximas décadas ou foi apenas um ponto fora da curva, a demandar soluções peculiares?

Talvez ainda seja cedo para chegar a conclusões definitivas. Mas o desafio das arbitragens coletivas está posto e alguns autores nos Estados Unidos e na Europa já começaram a discutir o assunto, com variados pontos de vista sobre o tema[101]. Está na hora de também enfrentarmos mais este desafio.

 

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* Doutor e mestre em Direito Processual pela UERJ. Professor de Direito Processual Civil em cursos de pós-graduação lato sensu. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) e Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Advogado. E-mail: andreroque@uerj.br. (Artículo recibido el 12 de noviembre de 2014 y admitido el 15 de noviembre de 2014).

[1] Nesse sentido, assevera-se em BAUMAN, Zygmunt, Globalização – As consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 7, que a expressão “compressão tempo/espaço” encerra a multifacetada transformação dos parâmetros da condição humana ocasionada pelo fenômeno da globalização. Em TAVOLARO, Lília Gonçalves Magalhães, Dilemas da globalização na Europa unificada. São Paulo: Annablume, 2005, p. 17, encontra-se uma relação ainda mais explícita: “A globalização econômica atua fortemente no adensamento do espaço e do tempo, colocando abaixo a cuidadosa distinção kantiana de espaço e tempo. Agora, a compressão do espaço torna-se possível pela aceleração do tempo e que a financeirização do mundo intensificou ainda mais...”
[2] Sobre a distinção entre a simples internacionalização e o fenômeno da globalização, v. CASTELLS, Manuel, Para o Estado-rede: globalização econômica e instituições políticas na era da informação in PEREIRA, Luiz Carlos Bresser et al. (Orgs.), Sociedade e Estado em transformação, São Paulo: UNESP; Brasília: ENAP, 1999, p. 149.
[3] Particularmente, não nos agrada a forma pela qual a legislação brasileira tipifica as pretensões passíveis de tutela coletiva. A experiência norte-americana das class actions mostra que, para evitar categorizações abstratas e distanciadas da realidade, de lege ferenda, seria melhor dividir as pretensões transindividuais não mediante uma tipificação abstrata dos direitos materiais em jogo, mas apenas conforme o pedido formulado seja ou não passível de fracionamento. Tal discussão, porém, extrapola os limites deste estudo.
[4] V. LEFORT, Claude, Nação e soberania in NOVAES, Adauto (Org.), A crise do Estado-nação, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 63. A base da aspiração à universalidade dos poderes temporal e espiritual era o cristianismo. A própria Igreja Católica, durante muito tempo, estimulou a afirmação do Império como unidade política, pensando, obviamente, em constituir o Império da Cristandade. Com esse intuito o Papa Leão III, no ano de 800, confere o título de Imperador a Carlos Magno. V. DALLARI, Dalmo de Abreu, Elementos de Teoria Geral do Estado, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 67.
[5] V. MARÉS, Carlos Frederico, Soberania do povo, poder do Estado in NOVAES, Adauto (Org.), A crise do Estado-nação..., cit., p. 237/238.
[6] V. MAQUIAVEL, Nicolau, O príncipe, XIX, p. 73/74. Disponível em www.dominiopublico.gov.br. Acessado em 28 de fevereiro de 2012.
[7] V. MONTESQUIEU, O espírito das leis, Trad. Cristina Murachco, São Paulo: Martins Fontes: 2000, livro VI, passim.
[8] V. MONTESQUIEU, cit., p. 87 (“Quanto mais o governo se aproxima da república, mais a forma de julgar se torna fixa (...). No governo republicano, é da natureza da constituição que os juízes sigam a letra da lei. Não há cidadão contra quem se possa interpretar uma lei quando de trata de seus bens, de sua honra ou de sua vida”).
[9] V. ZAGREBELSKY, Gustavo, A Lei, o Direito e a Constituição, item 19, texto apresentado por ocasião de evento comemorativo do XX aniversário do Tribunal Constitucional em Portugal, realizado em 28 de novembro de 2003. Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/textos030101.html. Acessado em 28 de fevereiro de 2012.
[10] Como aponta GRECO, Leonardo, Instituições de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2010, vol. I, p. 65, a jurisdição é tradicionalmente considerada uma função estatal porque, desde a Antiguidade e chegando até a Idade Contemporânea, os governantes sempre assumiram para si o monopólio da jurisdição, ou seja, de julgar conflitos e tutelar interesses particulares.
[11] Sobre a influência dos ideais do liberalismo e da doutrina da separação dos poderes sobre a doutrina de Chiovenda a respeito da atividade jurisdicional, entre outros, v. MARINONI, Luiz Guilherme, Teoria Geral do Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 33/35.
[12] V., entre outros, GRECO, Leonardo, Instituições de Processo Civil..., cit., p. 125/126; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro, Teoria Geral do Processo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 47; CARREIRA ALVIM, José Eduardo, Teoria Geral do Processo, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 70/71; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria Geral do Processo, São Paulo: Malheiros, 2001, p. 138.
[13] V. STRONG, Stacie I., Class and collective relief in the cross-border context: a possible role for the Permanent Court of Arbitration in LAVRANOS, Nikos et al. (Eds.), Hague Yearbook of International Law, v. 23, 2010, p. 117/118; NAGAREDA, Richard A., Aggregate litigation across the Atlantic and the future of American exceptionalism, Vanderbilt Law Review, v. 62, 2009, p. 32 e ss. e SAUMIER, Genevieve, USA-Canada class actions: Trading in procedural fairness, Global Jurist Advances, v. 5, 2005, p. 41/42.
[14] Sobre a inconsistência dos modelos de vinculação nas ações coletivas, especialmente dentro dos países filiados à civil law, v. GRINOVER, Ada Pellegrini, Novas tendências em matéria de legitimação e coisa julgada nas ações coletivas. Relatório Geral – Civil Law in GRINOVER, Ada Pellegrini, CALMON, Petrônio (Org.), Direito Processual Comparado, Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 2492/493.
[15] O modelo do opt out para as ações coletivas de cunho indenizatório nos Estados Unidos é previsto na Regra 23 (c)(2)(B)(v), das FRCP.
[16] O modelo do opt in na Suécia está estabelecido na Seção 14 do Group Proceedings Act de 2002, versão em inglês disponível em http://www.sweden.gov.se, acessado em 1 de março de 2012.
[17] A jurisprudência norte-americana, não sem certa hesitação, já admitiu ações coletivas englobando membros domiciliados fora dos Estados Unidos. V., nesse sentido, Bersch v. Drexel Firestone, Inc., 519 F.2d 974 (2d Cir. 1975) (afirmando que uma ação coletiva vinculando membros domiciliados fora dos Estados Unidos somente não será admitida se for demonstrado que será bastante provável que a decisão não venha a ser reconhecida no país estrangeiro) e, mais recentemente, In re Vivendi Universal, S.A. Sec. Litig., 242 F.R.D. 76 (D.N.Y. 2007) (relativizando o precedente formado em Bersch e dispondo que incumbe ao autor o ônus de demonstrar que há probabilidade de que o julgamento abrangendo membros de fora dos Estados Unidos será reconhecido no estrangeiro).
[18] É evidente que, em tais circunstâncias, seria absolutamente questionável se o ordenamento jurídico sueco permitiria que uma decisão nos Estados Unidos produzisse efeitos de coisa julgada para pessoas na Suécia que não manifestaram seu desejo de se vincular a nenhuma ação coletiva, subvertendo o sistema de vinculação neste país. Nada obstante, deixando de lado eventual discussão sobre o reconhecimento da sentença norte-americana na Suécia, o exemplo ilustra uma situação inusitada que poderia acontecer em decorrência da solução de um conflito global mediante ações coletivas fragmentadas.
[19] A International Bar Association (IBA) publicou em 2008 um guia com orientações não vinculantes aos juízes, com algumas recomendações de critérios para a admissibilidade de ações coletivas envolvendo interesses de pessoas residentes no estrangeiro e para o reconhecimento de decisões proferidas nestes processos em outros países. V. INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION, Guidelines for recognizing and enforcing foreign judgments for collective redress, disponível em http://www.ibanet.org/Publications/publications_IBA_guides_and_free_materials.aspx e acessado em 2 de março de 2012.
[20] Alguns países admitem a tutela coletiva independentemente do direito material postulado, ressalvadas exceções pontuais em cada legislação, como é o caso dos Estados Unidos e também do Brasil. Em outros países, todavia, a tutela coletiva é disponibilizada apenas para alguns direitos materiais específicos, tais como aqueles envolvendo relações de consumo, mercados de valores imobiliários ou a livre concorrência.
[21] A Holanda aprovou, no ano de 2005, uma lei permitindo a celebração de acordos envolvendo interesses de toda uma coletividade (Wet collectieve afhandeling massaschade ou WCAM), utilizando o sistema de vinculação do opt out (ou seja, vinculando todos aqueles que não manifestarem explicitamente o desejo de se desvincularem do acordo). No ano de 2009, a Corte de Apelações de Amsterdã homologou um acordo global no valor de US$ 352,6 milhões envolvendo a Shell e, de outro lado, vinte e nove entidades representativas de acionistas residentes em nove países europeus diferentes, alegadamente lesados por divulgação enganosa das reservas de gás e petróleo em mãos da empresa. O acordo não abrangeu os acionistas residentes nos Estados Unidos e sua homologação somente foi possível porque a justiça norte-americana não reconheceu jurisdição sobre os acionistas residentes na Europa. V., sobre o tema, a decisão nos Estados Unidos em In re Royal Dutch Shell Transp. Sec. Litig,. 522 F.Supp.2d 712 (D.N.J. 2007) e a posterior homologação na Holanda em Shell, Court of Appeal Amsterdam, NJ (2009), 506.
[22] V. CASTELLS, Manuel, Para o Estado-rede..., cit., p. 165/169 (destacando, entre os vários princípios do Estado-rede contemporâneo, a flexibilidade e a coordenação).
[23] Nos Estados Unidos, ações coletivas envolvendo pretensões indenizatórias (class actions for damages) normalmente têm uma divulgação ainda maior que as ações civis públicas no Brasil em defesa de direitos individuais homogêneos, uma vez que, naquele país, a comunicação aos integrantes da coletividade é realizada através de diferentes formas, a depender do caso concreto, desde aquelas mais individualizadas (através de oficial de justiça, por correspondência com aviso de recebimento ou inclusão de informações sobre o processo coletivo nas faturas enviadas pelo réu a cada um dos membros do grupo, por exemplo) até modalidades mais difusas (como a divulgação através dos meios de comunicação em massa). No Brasil, a única forma de divulgação prevista em lei consiste em uma burocrática publicação de edital no Diário Oficial, nos termos do art. 94 do Código de Defesa do Consumidor.
[24] A referência às ações coletivas como um instrumento de chantagem legalizada pode ser encontrada, por exemplo, em HANDLER, Milton. The shift from substantive to procedural innovations in antitrust suits, Columbia Law Review, v. 71, 1971, p. 9 e em POLLOCK, Earl. Class actions reconsidered: theory and practice under amended Rule 23, The Business Lawyer (ABA), v. 28, 1973, p. 749/750.
[25] Embora já exista projeto de lei no Congresso dos Estados Unidos que poderá impor severas restrições em arbitragens sobre direitos do consumidor (Arbitration Fairness Act). Sobre o histórico desse projeto de lei, as pressões políticas existentes e as possíveis repercussões em caso de aprovação, v. SANTOS, Maurício Gomm; SMITH, Quinn. A possível alteração do cenário arbitral nos Estados Unidos e seus efeitos na arbitragem internacional in PEREIRA, Cesar Augusto Guimarães; TALAMINI, Eduardo (Coord.). Arbitragem e Poder Público. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 417/437.
[26] Essa manobra é confessada sem qualquer pudor naquele país, por exemplo, em DUNHAM, Edward Wood, The arbitration clause as a class action shield, The Franchise Law Journal, v. 16, p. 141/142, Spring 1997. O título do texto em destaque já mostra tudo: “A cláusula arbitral como um escudo contra ações coletivas”. V. tb. STERNLIGHT, Jean R.; JENSEN, Elizabeth J., Using arbitration to eliminate consumer class actions: efficient business practice or unconscionable abuse?, Law & Contemporary Problems, v. 67, Winter/Spring 2004, p. 75/103 (considerando reprovável esta estratégia e sustentando que o Congresso deveria legislar sobre o assunto para impedir tais manobras).
[27] V., por exemplo, os casos Champ v. Siegel Trading Co., 55 F.3d 269, 274/275 (7th Cir. 1995); Stein v. Geonerco, Inc., 17 P.3d 1266 (Wash. App. 2001).
[28] A certificação, em apertada síntese, consiste na decisão que considera admissível o processamento de uma ação coletiva no direito americano. Antes da decisão de certificação, o processo não produz ainda os efeitos de uma ação coletiva. Somente a partir desse ponto, admitido o processamento coletivo, é que as decisões de mérito atingirão a todos os integrantes da coletividade. Da mesma forma, a desistência ou eventuais acordos na ação coletiva, a partir desse momento, afetam os interesses do grupo e passam a depender de aprovação judicial, o que, no âmbito da Justiça Federal norte-americana, é disciplinado pela Regra 23 (e) das Federal Rules of Civil Procedure.
[29] V. HAZARD JR., Geoffrey C.; TARUFFO, Michele. American civil procedure: an introduction. New Haven and London: Yale University Press, 1993, p. 99/101 e COFFEE JR., John C. Understanding the plaintiff’s attorney: the implications of economic theory for private enforcement of law through class and derivative actions, Columbia Law Review, v. 86, 1986, p. 669.
[30] Como aponta ALVES, Cleber Francisco, Justiça para todos! – Assistência jurídica gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 91 e ss., não se reconheceu ainda naquele país o direito do cidadão economicamente desfavorecido de contar com assistência técnica de um advogado na esfera cível.
[31] O primeiro caso conhecido em que se admitiu uma arbitragem coletiva foi apreciado na Califórnia, em Keating v. Superior Court, 31 Cal.3d 584, 610 (Cal. 1982). Outras decisões se seguiram na justiça estadual, como se vê, entre outros casos, também na Califórnia, em Izzi v. Mesquite Country Club, 186 Cal.App.3d 1309, 1319-1323 (Cal. Ct. App. 1986), e na Pensilvânia, em Dickler v. Shearson Lehman Hutton, Inc., 596 A.2d 860 (Pa. Super 1991).
[32] V. NATER-BASS, Gabrielle, Class action arbitration: a new challenge?, ASA Bulletin, v. 27, Dec. 2009, p. 688.
[33] V. Green Tree Financial Corp. v. Bazzle, 539 U.S. 444 (2003). A mesma conclusão foi reiterada no julgamento do caso Buckeye Check Cashing, Inc. v. Cardegna, 546 U.S. 440 (2006).
[34] Este princípio também foi consagrado na legislação brasileira, como se verifica no art. 8ª, parágrafo único da Lei nº 9.307/96: “Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória”.
[35] Em alguns julgados, entendeu-se que também a possibilidade de proibição da certificação coletiva na via arbitral deveria ser resolvida pelos árbitros, como em Bob Schultz Motors, Inc. v. Kawasaki Motors Corp., 334 F.3d 721 (8th Cir. 2003) e Hawkins v. Aid Ass’n for Lutherans, 338 F.3d 801 (7th Cir. 2003). Em outros casos, decidiu-se pela invalidade dessa proibição, como em Laster v. AT&T Mobility, 584 F.3d 849 (9th Cir. 2009); Comb v. Paypal, Inc., 218 F.Supp.2d 1165 (N.D. Cal. 2002); ACORN v. Household Int’l, Inc., 211 F.Supp.2d 1160 (N.D. Cal. 2002) e Lozada v. Dale Baker Oldsmobile, Inc., 91 F.Supp.2d 1087 (W.D. Mich. 2000). Finalmente, houve também muitos julgados em que se decidiu desde logo pela validade dessa proibição, como em Randolph v. Green Tree Financial Corp. Alabama, 244 F.3d 814 (11th Cir. 2001); em Lomax v. Woodmen of the World Life Ins. Soc’y, 228 F.Supp.2d 1360 (N.D. Ga. 2002) e em Lozano v. AT&T Wireless, 216 F.Supp.2d 1071 (C.D. Cal. 2002).
[36] V. AAA Supplementary Rules for Class Arbitrations, em http://www.adr.org/Classarbitrationpolicy (acessado em 6 de março de 2012).
[37] V. JAMS Class Action Procedures, em http://www. jamsadr.com/ rules-class-action -procedures/ (acessado em 6 de março de 2012).
[38] Esse foi o modelo cogitado, por exemplo, pela Suprema Corte da Califórnia no julgamento do caso Keating v. Superior Court, 31 Cal. 3d 584, 613 (Cal. 1982), uma das primeiras decisões judiciais que se referiu à arbitragem coletiva. A mesma sistemática foi admitida pela justiça da Carolina do Sul em Bazzle v. Green Tree Financial Corp., 569 S.E.2d 349, 360 (S.C. 2002), em decisão que acabou sendo reformada pela Suprema Corte do Estados Unidos no precedente Bazzle, já referido, no qual se decidiu que incumbe também ao árbitro apreciar sua própria competência. Alguns autores defendiam esse modelo, preocupando-se com os interesses da coletividade em jogo. Nesse sentido, v. STERNLIGHT, Jean R. As mandatory binding arbitration meets the class action, will the class action survive?, William & Mary Law Review, v. 42, Oct. 2000, p. 111.
[39] No mesmo sentido do texto, v. BUCKNER, Carole J. Toward a pure arbitral paradigm of classwide arbitration: arbitral power and federal preemption, Denver University Law Review, v. 82, p. 353/357, 2004 (destacando que a decisão em Bazzle afastou a viabilidade de um modelo híbrido, que também não seria permitido pelo Federal Arbitration Act, lei que regula a arbitragem naquele país).
[40] As regras da AAA estabelecem que o árbitro deverá suspender a arbitragem por 30 dias após a decisão que considerar que a convenção de arbitragem permite, em tese, uma arbitragem coletiva e mais 30 dias após a decisão que efetivamente deferir no caso concreto a certificação coletiva, em ambos os casos para aguardar que alguma das partes ingresse em juízo postulando a revisão da decisão do árbitro. As regras da JAMS, por sua vez, também estabelecem a possibilidade de revisão imediata dessas duas decisões junto ao Poder Judiciário, mas sem prever a necessidade de suspensão prévia da arbitragem coletiva. O modelo de revisão imediata já era invocado há muitos anos com aprovação por alguns autores. Nesse sentido, por exemplo, v. NOTE. Classwide arbitration and 10B-5 claims in the wake of Shearson/American Express, Inc. v. McMahon, Cornell Law Review, v. 74, 1989, p. 401/405;
[41] Defendendo esse modelo, entre outros, NOTE. Class arbitration: efficient adjudication or procedural quagmire?, Virginia Law Review, v. 67, May 1981. p. 813 e BANKLEY, Kristen M. Class actions behind closed doors? How consumer claims can (and should) be resolved by class action arbitration. Ohio State Journal on Dispute Resolution, v. 20, 2005, p. 483/485.
[42] Esse modelo é sustentado, por exemplo, por BUCKNER, Carole J. Due process in class arbitration, Florida Law Review, v. 58, p. 255/259, 2006.
[43] De acordo com informações divulgadas pela AAA em memorial apresentado como amicus curiae no julgamento do caso Stolt-Nielsen v. Animal Feeds Int'l Corp., 559 U.S. __ (2010), até setembro de 2009 aquela instituição havia administrado 283 arbitragens coletivas, sendo que 121 delas ainda estavam em curso, ao passo que 162 foram extintas por inadmissibilidade, acordo ou desistência.
[44] V. Stolt-Nielsen v. Animal Feeds Int'l Corp., 559 U.S. __ (2010): “It follows that a party may not be compelled under the FAA to submit to class arbitration unless there is a contractual basis for concluding that the party agreed to do so. Here, the arbitration panel imposed class arbitration despite the parties’ stipulation that they had reached “no agreement” on that issue. The panel’s conclusion is fundamentally at war with the foundational FAA principle that arbitration is a matter of consent. (…) But an implicit agreement to authorize class action arbitration is not a term that the arbitrator may infer solely from the fact of an agreement to arbitrate. The differences between simple bilateral and complex class action arbitration are too great for such a presumption”.
[45] V. AT&T Mobility LLC v. Concepcion, 563 U.S. __ (2011): “When state law prohibits outright the arbitration of a particular type of claim, the FAA displaces the conflicting rule. But the inquiry is more complex when a generally applicable doctrine is alleged to have been applied in a fashion that disfavors or interferes with arbitration. Although §2’s saving clause preserves generally applicable contract defenses, it does not suggest an intent to preserve state-law rules that stand as an obstacle to the accomplishment of the FAA’s objectives. (…) The FAA’s overarching purpose is to ensure the enforcement of arbitration agreements according to their terms so as to facilitate informal, streamlined proceedings. Parties may agree to limit the issues subject to arbitration...”.
[46] V. AT&T Mobility LLC v. Concepcion, 563 U.S. __ (2011): “The switch from bilateral to class arbitration sacrifices arbitration’s informality and makes the process slower, more costly, and more likely to generate procedural morass than final judgment. And class arbitration greatly increases risks to defendants. The absence of multilayered review makes it more likely that errors will go uncorrected. That risk of error may become unacceptable when damages allegedly owed to thousands of claimants are aggregated and decided at once. Arbitration is poorly suited to these higher stakes”.
[47] V. American Express Co. v. Italian Colors Rest., 570 U.S. __ (2013): “Respondents argue that requiring them to litigate their claims individually – as they contracted to do – would contravene the policies of the antitrust laws. But the antitrust laws do not guarantee an affordable procedural path to the vindication of every claim. (…) The antitrust laws do not ‘evinc[e] an intention to preclude a waiver’ of class-action procedure”. Não se pode deixar de notar que é natural que as leis antitruste e o FAA não contemplem qualquer ressalva, vez que a arbitragem coletiva surgiu recentemente na esfera cível.
[48] V. American Express Co. v. Italian Colors Rest., 570 U.S. __ (2013): “Italian Colors voluntarily entered into a contract containing a bilateral arbitration provision. It cannot now escape its obligations merely because the claim it wishes to bring might be economically infeasible”.
[49] A Suprema Corte ressalvou expressamente em nota de rodapé que a decisão poderia ser diferente, caso tivessem as partes controvertido também sobre esse ponto, de modo que o precedente pode trazer pouco impacto na prática. V. Oxford Health Plans LLC v. Sutter, 569 U.S. __ (2013): “We would face a different issue if Oxford had argued below that the availability of class arbitration is a so-called ‘question of arbitrability.’ Those questions – which ‘include certain gateway matters, such as whether parties have a valid arbitration agreement at all or whether a concededly binding arbitration clause applies to a certain type of controversy’ – are presumptively for courts to decide. (…) A court may therefore review an arbitrator’s determination of such a matter de novo absent ‘clear[] and unmistakabl[e]’ evidence that the parties wanted an arbitrator to resolve the dispute”.
[50] V. Oxford Health Plans LLC v. Sutter, 569 U.S. __ (2013): “Because the parties ‘bargained for the arbitrator’s construction of their agreement,’ an arbitral decision ‘even arguably construing or applying the contract’ must stand, regardless of a court’s view of its (de)merits”.
[51] V. Oxford Health Plans LLC v. Sutter, 569 U.S. __ (2013): “But Oxford misreads Stolt-Nielsen: We overturned the arbitral decision there because it lacked any contractual basis for ordering class procedures, not because it lacked, in Oxford’s terminology, a ‘sufficient’ one. The parties in Stolt-Nielsen had entered into an unusual stipulation that they had never reached an agreement on class arbitration. (…) The contrast with this case is stark. In Stolt-Nielsen, the arbitrators did not construe the parties’ contract, and did not identify any agreement authorizing class proceedings. So in setting aside the arbitrators’ decision, we found not that they had misinterpreted the contract, but that they had abandoned their interpretive role. Here, the arbitrator did construe the contract (focusing, per usual, on its language), and did find an agreement to permit class arbitration”.
[52] Há quem considere, por exemplo, que a decisão proferida em Stolt-Nielsen deva ser interpretada de forma restritiva, visto que o caso se instaurou entre duas empresas habituadas a contratar no mercado, não já consumidores ou pessoas físicas em geral, normalmente envolvidos em contratos de adesão. Além disso, como a Suprema Corte apenas concluiu que os árbitros não poderiam decidir pela admissibilidade da arbitragem coletiva no absoluto silêncio do contrato, ainda está em aberto saber sob quais condições (além da rara hipótese de permissão expressa na convenção de arbitragem) seria permitido certificar uma arbitragem na forma coletiva. Sobre o ponto, v. STRONG, Stacie I. From class to collective: the de-americanization of class arbitration. Arbitration International, v. 26, 2010, p. 494, nota 3.
[53] Defendendo a aprovação urgente do Arbitration Fairness Act logo após a decisão da Suprema Corte em Stolt-Nielsen, entre outros, GOODRICH, Nicolas, Dispensing injustice: Stolt-Nielsen and its implications, Journal of Dispute Resolution, v. 2011, 2011, p. 207/208.
[54] No Brasil, por exemplo, o art. 51, VII do Código de Defesa do Consumidor prevê que eventual cláusula compromissória nos contratos de consumo vinculará apenas o fornecedor, mas não o consumidor, que poderá optar por ingressar pela via judicial. No âmbito dos dissídios individuais do trabalho, entende-se majoritariamente também pela inadmissibilidade de sua solução por arbitragem, conforme se verifica pelas seguintes decisões do Tribunal Superior do Trabalho: RR 2881800-46.2002.5.02.0902, 1ª Turma, rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, j. 18/8/2010, DJ 27/8/2010; RR, 117600-08.2004.5.04.0732, 2ª Turma, rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, j. 16/2/2011, DJ 25/2/2011; AIRR, 4692-17.2010.5.02.0000, 5ª Turma, rel. Min. Emmanoel Pereira, j. 30/03/2011, DJ 8/4/2011; RR 192700-74.2007.5.02.0002, 6ª Turma, rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, j. 19/5/2010, DJ 28/5/2010; RR 61000-04.2006.5.15.0016, 8ª Turma, rel. Min. Dora Maria da Costa, j. 23/3/2011, DJ 25/3/2011.
[55] V., caracterizando a arbitragem coletiva como “uniquely American device”, a decisão proferida em Harvard College v. JSC Surgutneftegaz, 2007 WL 3019234 (S.D.N.Y. 2007)
[56] V. Kanitz v. Rogers Cable Inc., 2002 CanLII 49415 (ON SC), disponível em http://canlii.ca/t/1w1c2 e acessado em 6.1.2014. Pouco após a decisão proferida pela Suprema Corte em Kanitz, porém, a província de Ontário reformou a lei local (Consumer Protection Act – chapter 30, section 8 (1)) para tornar sem efeito qualquer renúncia do consumidor ao ajuizamento de ações coletivas em contratos de consumo.
[57] V. Dell Computer Corp. v. Union des Consommateurs, 2007 SCC 34, [2007] 2 SCR 801 (Can.), disponível em http://canlii.ca/t/1s2f2 e acessado em 6.1.2014: “Although the class action is of public interest, it is a procedure, and its purpose is not to create a new right. The mere fact that D decided to bring the matter before the courts by means of a class action rather than an individual action does not affect the admissibility of his action. An argument based on the class action being of public order cannot therefore be advanced to prevent the court hearing the action from referring the parties to arbitration. Since the facts triggering the application of the arbitration clause occurred before the coming into force of s. 11.1 of the Consumer Protection Act, which prohibits any stipulation that obliges a consumer to refer a dispute to arbitration, that provision does not apply to the facts of this case”. Tal entendimento foi reiterado pela Suprema Corte canadense em Rogers Wireless Inc. v. Muroff, 2007 SCC 35, [2007] 2 SCR 921, disponível em http://canlii.ca/t/1s2f4 e acessado em 29.1.2014.
[58] Como narrado ao longo dessa decisão, o poder legislativo em Québec também alterou seu Consumer Protection Act em 2006 (chapter P-40.1, section 11.1) para proibir a renúncia ao ajuizamento de ações coletivas e a imposição de convenção de arbitragem, pelo fornecedor, nos contratos de consumo. Contudo, outras províncias não alteraram suas leis nesse sentido e a decisão da Suprema Corte canadense em Dell foi bastante criticada, sobretudo por setores da doutrina e entidades de proteção aos consumidores, como se vê em artigo de Jacob Ziegel, professor da Universidade de Toronto, no Financial Post de 9.8.2007, disponível em http://www.financialpost.com/story.html?id=81511a9c-8c02-4f3b-a0c2-0651b10e3d96. Do texto, extrai-se a seguinte crítica: “Of course, the object of an arbitration clause may be to avoid class claims altogether and to be able to pick off those plaintiffs, one at a time, that have the deep pockets and the perseverance to pursue individual claims. It is precisely this mischief that class action legislation was designed to reverse and that regrettably the members of the Supreme Court failed firmly to keep in mind in addressing the technical issues before them”. V. tb. McGILL, Shelley. Consumer Arbitration and Class Actions: The Impact of Dell Computer Corp. v Union des Consommateurs. Canadian Business Law Journal, v. 45, Dec. 2007, p. 334-355.
[59] V. CASEY, J. Brian, Commentary: class action arbitration should be available, The Lawyers Weekly, n. 25, p. 44 (Mar. 31, 2006).
[60] V. MANITOBA LAW REFORM COMMISSION, Mandatory arbitration clauses and consumer class proceedings, Winnipeg: 2008, relatório disponível em http://www.manitobalawreform.ca/pubs/pdf/115-full_report.pdf, acessado em 6 de janeiro de 2014, de onde se extrai a seguinte passagem (página 37): “The Commission is of the view that Manitoba legislation should be amended to prevent mandatory arbitration clauses in consumer agreements from precluding court actions, and that any amendment should expressly protect consumers’ rights to commence or become members of class proceedings, despite any consumer agreement to the contrary”.
[61] V. Seidel v. Telus Communications, Inc., 2011 SCC 15, [2011] 1 SCR 531 (Can.), disponível em http://canlii.ca/t/fkkkj, acessado em 6.1.2014.
[62] V. Seidel v. Telus Communications, Inc., 2011 SCC 15, [2011] 1 SCR 531 (Can.): “In summary, s. 172 offers remedies different in scope and quality from those available from an arbitrator and constitutes a legislative override of the parties’ freedom to choose arbitration. Unlike Quebec and Ontario, which have decided to ban arbitration of consumer claims altogether, or Alberta, which subjects consumer arbitration clauses to ministerial approval, the B.C. legislature sought to ensure only that certain claims proceed to the court system, leaving others to be resolved according to the agreement of the parties”.
[63] V. Seidel v. Telus Communications, Inc., 2011 SCC 15, [2011] 1 SCR 531 (Can.): “In Dell and its companion case Rogers Wireless, our Court rejected an attempt by consumers to pursue class actions in Quebec in disputes arising out of product supply contracts in the face of arbitration clauses. The outcome turned on the terms of the Quebec legislation. (…) The intricacies of the Civil Code of Québec are far removed from the issue in British Columbia. The Quebec legislation at the time contained no provision similar to s. 172 of the BPCPA directing specific statutory claims to a specific forum”.
[64] V. Seidel v. Telus Communications, Inc., 2011 SCC 15, [2011] 1 SCR 531 (Can.): “The TELUS clause is structured internally to make the class action waiver dependent on the arbitration provision. The wording makes it clear that it is only by virtue of their agreement to arbitrate that consumers bar themselves from a class action”.
[65] Além disso, as províncias canadenses que adotaram legislação parcialmente protetiva (Alberta, cujo Fair Trading Act de 2000 (chapter F-2, section 16) condiciona as convenções de arbitragem à aprovação ministerial, e Colúmbia Britânica, segundo o precedente da Suprema Corte do Canadá no caso Seidel) vêm logo depois de Ontário e Québec em número de habitantes.
[66] V. BGH, II ZR 255/08, Deutsches Steuerrecht 2009, 1043 ff. e comentários em LENNARZ, Thomas, Germany: GmbH shareholders disputes now arbitrable, Arbitration, v. 76, 2010, p. 305 e ss.
[67] V. DIS-Supplementary Rules for Corporate Law Disputes (SRCoLD), versão em inglês disponibilizada em http://www.dis-arb.de/en/16/rules/overview-id0 (acessado em 9 de março de 2012).
[68] Para maiores detalhes sobre a disciplina estabelecida em matéria de arbitragem societária pelo novo regulamento do DIS na Alemanha, entre outros, v. STRONG, Stacie I., Collective arbitration under the DIS Supplementary Rules for corporate law disputes: a European form of class arbitration?, ASA Bulletin, v. 29, 2011, p. 145 e ss.
[69] Como sustenta, por exemplo, STRONG, Stacie I., Collective arbitration under the DIS Supplementary Rules..., cit., p. 155/156.
[70] Interessante notar que, na lei brasileira, há semelhante equiparação de árbitros a juízes nos limites da convenção de arbitragem, conforme previsto no art. 18 da Lei nº 9.307/96.
[71] V. Luis Alberto Durán Valencia v. Bancolombia, Centro de Arbitraje y Conciliación de la Cámara de Comércio de Bogotá, laudo arbitral de 30 de janeiro de 2004, disponível em www.juriversia.com, acesso em 10 de março de 2012, em que se encontra a transcrição da seguinte passagem da decisão proferida pela Suprema Corte de Justiça colombiana: “los tribunales de arbitramento (…) no son competentes por regla, para conocer de las acciones de grupo o de clase (…) Otra, en sana lógica parecería ser la conclusión cuando el ‘grupo’ únicamente esté conformado por personas que, como los socios de una sociedad, han concertado el pacto arbitral o aceptado la presencia de una cláusula compromisoria (...). Por eso en este particular y específico caso, si alguno de los socios o un grupo de ellos desea incoar una acción de clase deberá hacerlo ante un tribunal de arbitramento...”.
[72] V. ROCHA, José de Albuquerque, Lei de Arbitragem – Uma avaliação crítica, São Paulo: Atlas, 2008, p. 36 (sem, todavia, apresentar fundamentação consistente).
[73] V. FIGUEIRA JR., Joel Dias, Arbitragem, jurisdição e execução, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 178/179 (também sem fundamentar seu entendimento).
[74] V. ALVES, Rafael Francisco, A arbitragem no Direito Ambiental..., cit., p. 210/211 (invocando ainda, para reforçar o seu entendimento, a confidencialidade típica do procedimento arbitral).
[75] Não se desconhece a formação de tribunais em âmbito supranacional, como o Tribunal Internacional de Justiça em Haia, o Tribunal Penal Internacional em Haia, a Corte Europeia de Direitos Humanos em Estrasburgo e o Tribunal de Justiça da União Europeia em Luxemburgo. Nenhum desses tribunais, todavia, possui a abrangência necessária para resolver conflitos coletivos em âmbito globalizado.
[76] O Brasil, até a presente data, não ratificou a convenção através da qual eventuais controvérsias entre investidores estrangeiros e o Estado brasileiro poderiam ser submetidas ao ICSID.
[77] V. Abaclat v. Argentina, ICSID Case Nº ABR/07/5, decisão de agosto de 2011, p. 201 e ss., disponível em http://www.iareporter.com/downloads/20110810, acessado em 5 de janeiro de 2014.
[78] V. Abaclat v. Argentina, ICSID Case Nº ABR/07/5, decisão de agosto de 2011, p. 207: “Thus, the silence of the ICSID framework regarding collective proceedings is to be interpreted as a ‘gap’ and not as a ‘qualified silence’. Consequently, the Tribunal has, in principle, the power under Article 44 ICSID Convention to fill this gap”.
[79] V. Abaclat v. Argentina, ICSID Case Nº ABR/07/5, decisão de agosto de 2011, p. 212-213: “The Tribunal is of the opinion that group examination of claims is acceptable where claims raised by a multitude of claimants are to be considered identical or at least sufficiently homogeneous. The question is thus whether Claimants‘ claims are to be considered identical or sufficiently homogeneous”.
[80] Em janeiro de 2014, constava na página do ICSID que estavam pendentes apenas 182 casos, número muito inferior aos milhares de investidores interessados no caso em discussão.
[81] V. Abaclat v. Argentina, ICSID Case Nº ABR/07/5, decisão de agosto de 2011, p. 180: “It is further true that the TFA member banks may indirectly benefit from this scheme, since there is a likelihood of reducing the risks that they get sued by Claimants. (…) 459. This scheme may appear uncommon and it raises questions relating to TFA‘s role in the proceedings, such as issues of conflict of interests between TFA and Claimants”.
[82] Essa peculiaridade fática é importante, vez que o consentimento expresso de cada investidor tornou desnecessária qualquer consideração do tribunal arbitral em termos de notificação do grupo.
[83] V. Abaclat v. Argentina, ICSID Case Nº ABR/07/5, decisão de agosto de 2011, p. 215: “It is undeniable that the TFA Mandate Package has the effect to depriving Claimants of a substantial part of their procedural rights, such as the decision on how to conduct the proceedings, the right to instruct the lawyers, etc. However, as mentioned above (see §§ 457-465), the setting of strict boundaries in relation to Claimants’ procedural rights has been consciously accepted by Claimants in order to benefit from the collective treatment of their claims before an ICSID tribunal”.
[84] V. Abaclat v. Argentina, ICSID Case Nº ABR/07/5, voto vencido de outubro de 2011, p. 105: “In consequence, I consider and find (…); b) that this Tribunal has no jurisdiction under the ICSID Convention and the BIT over the present collective mass claims action, absent the consent of Argentina, nor does it have the power to devise new procedures to hear such an action”.
[85] V. Abaclat v. Argentina, ICSID Case Nº ABR/07/5, conforme andamento processual disponibilizado em http://icsid.worldbank.org/ICSID/FrontServlet, acessado em 8.9.2014.
[86] Nesse sentido, considerando provável tal estratégia argentina, não apenas pelo ineditismo do caso, mas por já ter aquele país adotado tal postura em outras arbitragens administradas pelo Centro Internacional para a Resolução de Conflitos sobre Investimentos do Banco Mundial, STRONG, Stacie I. Class, mass, and collective arbitration..., cit., p. 16, nota 89; CROSS, Karen Halverson. Investment Arbitration panel upholds jurisdiction to hear mass bondholder claims against Argentina. Asil Insights, v. 15, n. 30 (Nov. 21, 2011), disponibilizado em http://www.asil.org/insights/volume/15/issue/30/investment-arbitration-panel-upholds-jurisdiction-hear-mass-bondholder (acessado em 20.8.2014). V. tb., referindo-se a essa postura argentina mesmo antes da decisão em Abaclat, SMITH, Steven et al. International commercial dispute resolution. International Lawyer, v. 44, 2010, p. 127.
[87] Contra, sustentando que o árbitro deverá solicitar a atuação do Poder Judiciário na fase de instrução probatória do processo arbitral “na colheita de provas fora da terra”, ou seja, em localidade distinta da que se encontre tramitando a arbitragem, posição da qual que se discorda por não estar o processo arbitral preso a normas de organização judiciária e por conspirar contra a sua celeridade, sua confidencialidade e sua informalidade, CÂMARA, Alexandre, Das relações entre a arbitragem e o Poder Judiciário, Revista Brasileira de Arbitragem, Porto Alegre, Síntese, ano II, n. 6, abr./jun. 2005, p. 26.
[88] Tal circunstância, aliás, inibiria também o forum shopping, prática que consiste na busca pela jurisdição do Estado cujo julgamento será provavelmente o mais favorável para a parte interessada.
[89] V., enfatizando outros aspectos, tais como a possibilidade de limitação na arbitragem de uma onerosa fase de discovery, STRONG, Stacie I., Class and collective relief..., cit., p. 128/129.
[90] V. FREYER, Dana H.; LITT, Gregory A., Desirability of international class arbitration in ROVINE, Arthur W. (Ed.), Contemporary Issues in International Arbitration and Mediation, Martinus Nijhoff: The Hague, 2009, p. 178 (sugerindo que a adoção do modelo do opt in, emboradiminua a abrangência de uma ação coletiva, poderá evitar problemas com países relutantes em admitir ações coletivas).
[91] Cumpre ressaltar, aliás, que a formação de subgrupos em uma ação coletiva é prevista expressamente na Regra 23 (c)(5) das FRCP, que disciplinam as ações coletivas na Justiça Federal norte-americana, o que evidencia a possibilidade de sua utilização, guardadas as devidas proporções, em processos coletivos em geral.
[92] Além da Convenção de Nova Iorque, existem outros tratados em vigor e menor amplitude, que também tratam do reconhecimento e execução de sentenças arbitrais, tais como a Convenção Europeia de 1961, a Convenção do Panamá de 1975, a Convenção de Montevidéu de 1979 (ambas em âmbito interamericano) e o Protocolo de Las Leñas, no âmbito do Mercosul.
[93] Em 25 de abril de 2002, o Congresso Nacional editou o Decreto Legislativo nº 52, através do qual aprovou a Convenção de Nova Iorque. Em seguida, o Presidente da República promulgou o Decreto nº 4.311, de 23 de junho de 2002, conferindo a publicidade necessária para que a Convenção de Nova Iorque fosse internalizada no ordenamento jurídico brasileiro.
[94] Até porque a própria Convenção de Nova Iorque estabelece alguns fundamentos que, eventualmente, poderiam ser suscitados para obstar o reconhecimento de uma sentença em arbitragem coletiva, como se observa, por exemplo, em seu art. V (2)(a) e (b) (objeto do litígio não arbitrável e contrariedade a normas de ordem pública).
[95] V. INTERNATIONAL CHAMBER OF COMMERCE, Policy Statement - Class action litigation, disponível em http://www.iccwbo.org/uploadedFiles/ICC/policy/clp/Statements/Class_action_litigation. pdf, acessado em 13 de março de 2012, em que se encontra a seguinte passagem: “ICC believes that implementing class action systems has adverse consequences for business and consumers that outweigh the perceived benefit to society. The spread of class action lawsuits risks an increase in speculative lawsuits needlessly costing global business time, resources and exposure to “legal blackmail”. Such litigation results in higher costs for companies and ultimately higher prices for consumers”.
[96] Talvez por isso, há quem sugira que a Corte Permanente de Arbitragem, sediada em Haia, assuma a tarefa de administrar arbitragens coletivas, uma vez que já estaria de certa forma habituada a lidar com litígios envolvendo um número massivo de pessoas. V. STRONG, Stacie I., Class and collective relief..., cit., p. 136 e ss. A dificuldade é que sua competência sempre foi exercida de forma restrita, limitada ao âmbito de alguns tratados internacionais.
[97] V. Stolt-Nielsen v. Animal Feeds Int'l Corp., 559 U.S. __ (2010).
[98]V. Eisen v. Carlisle & Jacquelin, 417 U.S. 156 (1974).
[99] Para as ações populares, v. art. 5º, LXXIII da Constituição: “LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;”. Para as ações civis públicas, v. art. 18 da Lei nº 7.347/85: “Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais”.
[100] V., manifestando semelhante preocupação, FREYER, Dana H.; LITT, Gregory A., Desirability of international class arbitration..., cit., p. 178/179.
[101] Compare, por exemplo, a autora norte-americana STRONG, Stacie I., Class and collective relief..., cit., p. 140 (sustentando que a arbitragem coletiva é um importante mecanismo de solução de conflitos em âmbito transnacional) com a autora suíça NATER-BASS, Gabrielle, Class action arbitration..., cit., p. 688 (sustentando que apenas com a consolidação dos sistemas de tutela coletiva na Europa será possível o desenvolvimento da arbitragem coletiva no continente, embora admitindo que isso talvez seja apenas uma questão de tempo).